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sábado, 3 de maio de 2008
Alfabetização: Teoria e Prática
Marília Claret Geraes Duran1
Alfabetização: Teoria e Prática
"a maioria dos professores investigadores observam que é seu próprio
comportamento como investigadores, estudiosos, indagadores e
escritores o que realmente ensina o aluno como aprender".
(MOHR e MACHEAN - 1987, p. 52)
É possível perceber, nas entrelinhas das questões formuladas pelos professores, uma grande
preocupação com o fazer da sala de aula, com o como trabalhar a teoria para poder refazer o fazer
cotidiano, dando conta, ao mesmo tempo, dos alunos e das questões que cada professor tem em
relação ao construtivismo. Isto se justifica na medida em que o professor efetivamente tem problemas
reais, pois ele está ali com quarenta alunos, comprometido politicamente com eles, em função do
papel social básico da Escola: fazer com que as crianças aprendam o que nela foram buscar. Mais
especificamente: que as crianças se alfabetizem naquele sentido de penetrar no pensamento letrado,
de ser um indivíduo letrado.
Acredito que estas questões constituem uma preocupação compartilhada por todos nós, professores
e educadores.
Nessa perspectiva, o diálogo entre estudiosos do construtivismo, cujas idéias, embora tendo um eixo
comum, apresentam matizes que as distinguem, talvez ajude a nossa reflexão sobre as suas possíveis
contribuições para alterar algumas das relações que se estabelecem na prática pedagógica.
O que é construtivismo? É uma corrente da Psicologia, da Filosofia ou da Pedagogia? O que representa,
em termos do enfrentamento das tarefas cotidianas, a opção entre FERREIRO e LURIA, ou entre
PIAGET e VYGOTSKY?
1
Mestra e Doutoranda em Psicologia da Educação pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, Técnica da FDE.
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Alguns termos, como "construtivismo", "socioconstrutivismo", abordagem "sócio-histórica",
"sociointeracionismo" etc., sem a reflexão e o aprofundamento das teorias que embasam as diferentes
correntes do pensamento, acabam virando rótulos. Na maioria das vezes, a sua utilização pode
significar, simplesmente, uma marca para o diferente ou para o não-tradicional, o que não significa
haver entendimento do que está por trás do rótulo.
No texto a seguir, fazemos uma indicação dessas questões, tendo em vista subsidiar a reflexão sobre
a teoria e a prática da alfabetização.
Psicologia e Pedagogia
É preciso distinguir entre as questões que são trabalhadas em Psicologia e as que se referem à
prática pedagógica. A Psicologia pode trazer contribuições para a prática, mas tem seus limites.
Existe um espaço - o espaço pedagógico - que tem de ser trabalhado por nós, educadores,
pedagogos, professores.
A nossa larga tradição prescritiva/normativa do ensino escolar expressa uma interpretação dicotômica
entre sujeito e objeto do conhecimento, entre teoria e prática, entre transmissão e construção do
conhecimento.
O estado atual da reflexão sobre o ensinar e o aprender na Escola movimenta-se no sentido de
superar essas falsas dicotomias, e a Psicologia tem contribuído para essa discussão.
Assim, o construtivismo, em seus diferentes matizes, abre a possibilidade de reflexão sobre o processo
de aprender na Escola; entretanto, entender o pedagógico como opção por esta ou aquela teoria
psicológica é reduzir a questão. Na verdade, a opção que o educador faz dentro do corpo do
conhecimento específico da Psicologia é parte do instrumental necessário para a organização de sua
ação como educador e para a compreensão do aluno enquanto sujeito do conhecimento. Mas a
ação pedagógica é específica.
O construtivismo não é um método para a prática pedagógica. No entanto, o construtivismo contribui
para o entendimento da forma como ocorre o aprendizado, e, nesse sentido, influencia na definição
dos objetivos da educação formal e na formulação da intervenção pedagógica.
PIAGET, sem dúvida, é o maior representante do construtivismo; seus trabalhos constituem o ponto
de partida para a identificação das características de uma posição construtivista.
É inegável o papel de confrontação teórica com o trabalho de PIAGET que as idéias de VYGOTSKY,
assim como dos demais representantes da Psicologia soviética, têm cumprido nos últimos anos,
devido à sua instigante abordagem sobre a dimensão social do desenvolvimento psicológico. E,
provavelmente, pelo mesmo canal, entra agora em cenário, tardia e timidamente, a perspectiva walloniana.
Em relação à alfabetização, PIAGET não tem investigações sistemáticas a respeito - a escrita não era
uma preocupação da Escola de Genebra. Na verdade, como assinala TEBEROSKY (1992), "Os
lingüistas não se ocupavam da escrita. De Whorf até Saussure, de Bloomfield a Chomsky, a lingüística
se ocupava do oral", "a psicologia também não a estudava, porque não considerava a leitura e a
escrita como domínios em si", "a psicopedagogia incluía a escrita no âmbito das destrezas manuais
e perceptivas".
E é nessa perspectiva que gostaria de introduzir as contribuições de FERREIRO e TEBEROSKY nas
relações entre construtivismo e alfabetização e nas relações entre Psicologia e Pedagogia.
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As Contribuições de Ferreiro e de Teberosky
Ao introduzirem uma linha de investigação evolutiva no campo da escrita, FERREIRO e TEBEROSKY
trazem a possibilidade de melhor se entender a questão específica da escrita, até então ausente das
pesquisas feitas pela Linguística, pela Psicologia, pela Pedagogia.
A preocupação das autoras, ao iniciarem seus trabalhos, era procurar saber "como lêem as crianças
que ainda não sabem ler", "como escrevem as crianças que ainda não sabem escrever". Assim, o
que é novo, o que é inédito no trabalho de ambas-reconhecendo mesmo o valor heurístico de suas
pesquisas - é o fato de trazerem a escrita como um domínio evolutivo, de tratarem-na como objeto
lingüístico.
Ao pensarmos um pouco em como se desenvolvia o trabalho de alfabetização em sala de aula, e no
que achávamos a respeito, percebemos que as questões da escrita eram resvaladas. Nessa
concepção, a leitura e a escrita adquiriram um desenvolvimento exclusivamente escolar e, como
assinaturas escolares, eram consideradas instrumentais, isto é, para pensar, representar, comunicar,
expressar outros conteúdos.
As questões que permeavam as pesquisas na área de alfabetização, nos anos 60/70, estavam
relacionadas aos aspectos perceptuais e motores da aprendizagem, à prontidão e não à escrita
enquanto objeto linguístico ou sistema específico: o da representação da linguagem.
O foco de uma teoria construtivista, ao analisar o processo de alfabetização, deve ser exatamente a
compreensão desse objeto, buscando saber que concepções de língua escrita a criança tem antes
de iniciar o processo formal na Escola. E as pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita
representam um marco, podendo-se mesmo falarem alfabetização antes e depois de Emilia FERREIRO.
Certamente, o resultado dessas investigações trouxe uma preocupação para a Escola, na medida
em que elas provocaram um movimento: o de repensar as metodologias utilizadas. Porém, quando
lemos a Psicogênese da Língua Escrita, observamos que não existe ali nenhuma prescrição pedagógica
em termos de um trabalho na sala de aula.
Não adianta ler a Psicogênese... e dizer: "agora eu posso fazer um trabalho na sala de aula", porque
a psicogênese não tem esse objetivo voltado para a prática, o que não significa que não ofereça uma
contribuição no movimento de reflexão da prática.
A prática é o fazer; tem a ver com o fazer cotidiano, com o conhecimento que está relacionado a
este fazer: a ação pedagógica, as opiniões, os valores, as ideologias; o pensar; enfim, com aquilo
que permeia o que o professor faz na sala de aula e o que faz em relação ao conhecimento, aos
valores e às opiniões que possui.
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Voltando os olhos para o que tem sido feito em nome do construtivismo, isto é, para as tentativas do
professor em produzir rupturas com o modo escolar convencional de alfabetização, podemos
perceber/constatar as inconsistências, as incongruências desse fazer. É muito comum, por exemplo,
ouvirmos um professor dizer que é construtivista e, na observação de sua prática, verificarmos que
não há nada nela que confirme isso.
Entretanto, muito do que se critica, hoje, em relação à prática de alfabetização, dentro desse eixo
construtivista, deve-se ao fato de que existe esse movimento de reconstrução, redefinição desta prática.
Se, por um lado, temos um corpo de conhecimento teórico sobre a leitura e a escrita, produzido por
lingüistas, psicólogos, antropólogos, críticos literários, pedagogos, por outro a distância entre a teoria
e a prática ainda não foi superada.
As experiências práticas resultam numa fonte de possibilidades de acesso à investigação: vemos um
grande número de trabalhos discutindo e propondo alternativas metodológicas de pesquisa em sala
de aula ou sugerindo uma investigação minuciosa do cotidiano escolar.
Mas a articulação ensino/pesquisa, atividade do professor/atividade do pesquisador, tendo como eixo
a Escola e o trabalho concreto na sala de aula, ainda é um desafio - colocar a mútuo serviço esses
dois tipos de conhecimento: o do estudioso da prática pedagógica e o do professor que a realiza.
Através dessa leitura, tentando entender a"sabedoria da prática"(SCHULMAN, 1987), talvez tenhamos
condições de dar mais atenção às informações que dela podemos extrair e recuperar a história das
práticas de alfabetização a partir do marco trazido pela Psicogênese da Língua Escrita, sem perdermos
a consistência das melhores criações de seus praticantes.
Ferreiro e Tebeirosky na Sala da Aula?
Vamos analisar algumas das opções que têm sido tomadas como referência da perspectiva construtivista
na prática da alfabetização.
Uma delas diz respeito à adoção da descrição evolutiva apresentada pela Psicogênese da Língua
Escrita como diagnóstico do nível de conhecimento da criança. O evolutivo passa a justificar critérios
de "prontidão" e/ou guiar a seqüência das atividades e dos conteúdos a ensinar. Geralmente, tal
diagnóstico supõe uma classificação. Em vez de se chamar uma classe de forte, média ou fraca,
passam a ser utilizados os termos pré-silábico, silábico e alfabético. Trocam-se os rótulos, mas o
conteúdo continua o mesmo. O reconhecimento de níveis na organização do conceito de escrita, ao
contrário, redireciona as questões de patologias da aprendizagem e coloca em xeque a idéia de
"prontidão" ou de "pré-requisitos" para a alfabetização.
Mas, em alguns casos,os níveis de conceitualização da escrita se convertem em referência prescritiva
de etapas da didática, isto é, servem de referência do que o professor deve programar como
atividades para passar de um nível a outro, ou como referência do ponto de partida metodológico do
ensino. Num e noutro casos é clara a idéia de "pré-requisito", de "pré-condição para", posição esta
que se situa no extremo oposto do conceito de zona de desenvolvimento proximal de VYGOTSKY.
FERREIRO oferece-nos um instrumental de possibilidades de ver a criança no seu processo de
aquisição da escrita, de verificar o que ela sabe e o que ela não sabe, porque é no que ela ainda
não sabe, no que ela pode e tem condições de fazer com ajuda, com interferência do adulto, que
o professor vai atuar. Nesse sentido, a descrição evolutiva ultrapassa o nível do diagnóstico e da
avaliação inicial e contribui efetivamente para informar o desenho de situações de
ensino/aprendizagem.
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É importante assinalar, como o faz NUNES (1990), que "talvez a contribuição mais significativa que o
construtivismo já ofereceu à alfabetização [foi] auxiliar as alfabetizadoras na tarefa de compreender
as produções das crianças e saber respeitá-las como contribuições genuínas, indicadoras de progresso
e não como erros absurdos".
Outra aplicação que vem sendo feita é a adoção do desenho, que em situações experimentais foi
utilizada por FERREIRO e TEBEROSKY, dentro de um recorte de situação escolar. Isto é, fazer uma
transposição direta de um instrumento do psicólogo para a sala de aula. Ora, se cabe ao psicólogo
trabalhar no sentido de descrever as hipóteses, deixando-as em evidência, o trabalho pedagógico é
específico e implica o "atuar", o fazer. O professor tem de fazer a criança aprender. Esse é o seu
papel; esse é o papel da Escola.
Adotar e adaptar o aspecto metodológico consiste em outra aplicação possível. O método, em
particular a entrevista clínica, ocupa o lugar do diálogo educativo. Em vez de ensinar conteúdos
escolares, a tarefa docente será a de explorar de forma passiva o pensamento infantil.
Na verdade, nós nos entusiasmamos com a criança e contemplamos as suas escritas iniciais,
fazendo muito pouco em relação a uma atuação mais pontual, ou seja, fazendo pouco em relação
ao nosso papel, enquanto professores.Temos, sim, de levar a criança a escrever
convencionalmente, o que não significa impedi-la de escrever com naturalidade, externar a sua
maneira de escrever.
Muitas vezes a criança pergunta: "Está certo?". E o professor responde: "Está.". O que a criança
procura ao fazer suas perguntas? O que ela está querendo de nós, professores? Ela está querendo
compartilhar a sua escrita, o que significa também o reconhecimento de uma imposição social da
forma ortográfica. A escrita tem um valor social exatamente porque pode ser compartilhada.
Portanto, escrever, por exemplo, pato com apenas a e o não é algo que possa ser compartilhado...
Outra aplicação muito discutida é a das condições da sala de aula, o ambiente alfabetizador.
Temos observado que muitas vezes as salas se inundam de letras, de cartazes, de materiais escritos,
de jornais, de revistas etc. Entretanto, a concepção de ambiente alfabetizador tem-se mostrado
insuficiente, predominando um ponto de vista material e externo ao sujeito.
A presença de material impresso, tal como aparece na sociedade mais ampla, e não de material
didático, é uma condição necessária mas não suficiente à criação de um ambiente alfabetizador. A
qualidade lingüística do material disponível; a presença de "módulos" externos de linguagem escrita;
as interações de professor e alunos de alunos entre si, a alternância de papéis entre eles; a variação
de atividades ou sobre uma atividade; e a qualidade das interferências do professor que favorece a
constante manipulação de textos fazem parte deste ambiente alfabetizador.
Nas análises precedentes fica claro que temos incorporado aspectos apenas parciais da perspectiva
construtivista na prática da alfabetização. Esse balanço crítico oferece-nos a possibilidade de retomar
a discussão a partir do que já foi feito e não começando tudo de novo. E, certamente, nos ajudará a
encontrar novas relações sobre o fazer da prática.
Atualmente já se esboçam significativas contribuições de pesquisadores e professores estrangeiros e
brasileiros, que apresentam proposições metodológicas para uma prática da alfabetização informada
pelo paradigma construtivista.
O livro Os Filhos do Analfabetismo apresenta os resultados de um encontro latino-americano realizado
no México (FERREIRO, 1990), no qual são discutidas propostas para a alfabetização escolar na
América Latina.
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Ana TEBEROSKY publicou a sua Psicopedagogia da Linguagem Escrita, apresentando "uma série de
propostas de situações de ensino-aprendizagem da linguagem escrita para crianças de 5 a 8 anos",
propostas estas voltadas para o objetivo de "conjugar as idéias das crianças com os requisitos do
ensino", entendidos estes como "o imperativo do professor para fazer as crianças avançarem"
(TEBEROSKY, 1989).
A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, entre outras publicações na área, divulgou, no
documento Ciclo Básico em Jornada única: Uma Nova Concepção de Trabalho Pedagógico - O
Encontro de Teoria e Prática, v. 2, 1990, o resultado do trabalho de professores que vêm buscando
uma reformulação de sua prática, programando suas interferências a partir da interpretação das
hipóteses com as quais as crianças trabalham e no sentido de fazê-las avançar em direção à
compreensão da escrita convencional, socialmente aceita.
Nesse contexto também se situa o conjunto didático Por Trás das Letras, de autoria da professora
Telma WEISZ (1991).
Discutindo o Conjunto Didático "Por Trás das Letras"
O conjunto didático Por Trás das Letras pode ser visto como um esforço no sentido de contribuir para
o fazer do professor, isto é, para a forma como ele vai atuar na sala de aula.
Por Trás das Letras é composto de quatro programas de vídeo, acompanhados de uma publicação
impressa da própria autora. Já na apresentação deste conjunto, sinalizamos as contribuições que
nos pareceram mais relevantes. Por um lado, a consideração do uso social da escrita, isto é, tomar
o objeto da escrita como socialmente construído; por outro, o uso do texto escrito enquanto texto e
a importância que é dada à diversidade de tipos de texto escrito que podem ser trabalhados nas
salas de alfabetização em situações que simulam alguns dos reais contextos de uso da linguagem escrita.
E, finalmente, os vídeos evidenciam a importância das interações e da parceria entre as crianças na
construção da escrita, das interações das escritas com diferentes tipos de texto e suas reações ante
as intervenções dos adultos.
Em função de alguns dos tipos de textos sobre os quais se trabalha na sala de aula, Por Trás das
Letras foi dividido em quatro capítulos. Trata-se de um material para a capacitação de professores
que, com a riqueza de informações que oferece, permite múltiplas leituras e que se possa fazer uso
dele em vários níveis de aprofundamento e de inspiração.
Tomemos três segmentos selecionados desse conjunto, para discutir alguns dos eixos
teórico-metodológicos da alfabetização.
O primeiro deles é a última atividade do "Erumaveis", quando Viviane, Ana Cláudia, Danilo e Leonardo
recontam e reescrevem a Branca de Neve. As crianças ouvem o conto, recuperam-no oralmente e
fazem a reescrita na lousa
O desenvolvimento de um programa de leitura e escrita não pode prescindir de atividades como a
reescrita de contos de fada. Os contos de fada constituem-se em modelos externos de linguagem
escrita que permitem análise, isto é, é possível "desarmá-los em busca do seu funcionamento", como
nos ensina Ana TEBEROSKY (1992). Na medida em que o conteúdo já está dominado, é possível
focalizar o retórico, isto é, as questões da escrita do texto, do como se diz e a quem se diz as coisas,
o formal do texto.
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Nessa atividade de (re)escrita, tal como aparece no vídeo, a proposta é repetir oralmente o conto tal
como estava escrito, isto é, com as palavras do "livro", e tentar escrever como estava no livro. E
podemos observar, até, que as crianças não fazem nenhuma questão de simplificar o texto literário
que está ali, não buscam simplificar a linguagem.
Por seu lado, o professor interfere, ajudando os alunos a aprenderem a modificar, corrigir, substituir
o que está escrito. Para isso, as crianças atuam como leitoras de seus próprios textos.
Está claro que uma atividade como essa não termina do mesmo modo que é apresentada no vídeo.
A intervenção pedagógica se dá em diferentes momentos e em muitas direções: desde a análise
coletiva do texto-fonte, consulta posterior ao texto-fonte, escrita individual com ou sem ajuda do
professor ou de outra criança, leitura do escrito, revisão do texto, edição final, até a releitura, para
possível revisão e correção do mesmo texto, passado algum tempo.O importante é termos consciência
dos diferentes momentos de aprendizagem dos nossos alunos. Como diz Ana TEBEROSKY (1992):
"Sabemos que uma pequena variação no material, na tarefa
realizada pela criança, na estratégia pedagógica ou no conteúdo
produz respostas diferentes ou respostas resistentes à
mudança. A modificação ou a resistência são sempre
indicadoras de que alguma coisa funciona de determinada
maneira: na cabeça do professor, na cabeça da criança ou na
própria situação. Porém, já sabemos que o fazer pedagógico
consiste na mudança permanente de estratégias para conseguir
os objetivos da aprendizagem".
O segundo fragmento dos vídeos que eu gostaria de comentar refere-se a uma das atividades de
leitura apresentada no capítulo "Falando Devagarinho". Leandro e Nilson, duas crianças de Pré-escola,
lêem a primeira estrofe de "Pombinha Branca".
O ritmo, a presença de rimas colaboram para que as crianças, que não sabem ler no sentido
convencional, leiam a canção. Evidenciar para o professor as possibilidades de explorar pedagogicamente
o fato de que é possível ler quando ainda não se sabe ler, como nos diz Telma WEISZ (1991),
parece-me fundamental.
O diálogo entre o professor e seus alunos, quando estes começam a escrever e a ler palavras e
textos ainda sem saber bem o que significa o que estão fazendo, adquire um formato particular. Que
informações são pertinentes neste momento, no sentido de ajudar o aluno a resolver uma situação
que é apresentada como problema?
As interações que se estabelecem entre Nilson, Leandro e o professor evidenciam a possibilidade de
se alternarem e diversificarem as tarefas entre professor e alunos e alunos entre si. As duas crianças,
embora em níveis diferentes de interpretação da escrita, aprendem muito no decorrer da atividade,
em função das intervenções deliberadas do professor; mas aprendem coisas diferentes, em função
de suas experiências anteriores com a leitura e a escrita.
O momento final desse segmento - a escrita do nome próprio por Nilson e Leandro - evidencia os
conhecimentos que cada um deles tem a respeito da escrita do seu nome.
Atividades de escrita/ensino do nome próprio são comuns nas classes de alfabetização, desde a
Pré-escola. Marcar o nome da criança no desenho, na lancheira, na mesa, nos utenslios, no avental,
nos trabalhos etc. faz parte do ritual da Escola.
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Pesquisas na área evidenciam a precocidade na aparição de marcas não-figurativas, que são
interpretadas como nomes, em produções gráficas iniciais de crianças. Esses dados são indicadores
das oportunidades que o ambiente familiar letrado proporciona às crianças em relação à escrita do
seu nome. Entretanto, para a grande maioria das crianças que ingressam no Ciclo Básico da Rede
Pública, a escrita só é utilizada na e para a Escola.
Nesse contexto, é evidente o impacto que representa a aquisição do nome próprio pela criança com
o início da escolaridade e a freqüência nas classes de alfabetização.
Na atividade mostrada neste segmento dos vídeos podemos observar que um dos meninos, Nilson,
ainda não adquiriu a escrita de seu próprio nome, estando pois num momento muito diferente do de
Leandro. Gostaria então de deixar em aberto a seguinte questão: nós, professores, temos uma
proposta para o ensino da escrita do nome próprio ou vamos deixar a criança constituir "sozinha"
essa escrita?
O terceiro segmento dos vídeos que gostaria de comentar é o que mostra Fabiano e Rafael, dois
alunos do Ciclo Básico inicial, escrevendo uma notícia que deu no jornal. Por trás de propostas como
esta há muitas decisões que precisam ser explicitadas. A presença de material impresso, tal como
aparece na sociedade - o jornal, por exemplo -, e não de material didático é uma delas. A cartilha
tem sido, na maioria das vezes, o único modelo de escrita ao qual a criança tem acesso na Escola.
Que concepção de texto escrito construirá a criança que trabalha quase que somente com esse material?
Assim, decisões tomadas no planejamento dessa atividade sobre a unidade lingüística a ser
proposta (o texto), sobre o gênero (notícia jornalística), sobre o conteúdo temático (a reportagem
sobre a caça ao jacaré Teimoso no rio Tietê) são reveladoras da concepção de alfabetização que o
professor tem em mente.
Foram tomadas também decisões importantes sobre o material a ser utilizado, como a opção pelas
letras soltas, introduzindo uma mobilidade de que a escrita na verdade não dispõe e garantindo um
espaço de rascunho a "quatro mãos". A escolha das letras soltas deu suporte a uma discussão que
ocupou a maior parte deste segmento dos vídeos - a divisão do texto em palavras.
Contudo, as propostas iniciais de "escrever para um hipotético jornal da Escola" e "fazer um rascunho
com as letras soltas para depois passar a limpo" não podem ser esquecidas. Sem este eixo, o
professor deixaria de estar considerando o texto enquanto texto...
Com essas considerações, quero chamar a atenção para o fato de que a aprendizagem da leitura e
da escrita não se dá espontaneamente; ao contrário, exige uma ação deliberada do professor e,
portanto, uma qualificação de quem ensina. Exige planejamento e decisões a respeito do tipo,
freqüência, diversidade, seqüência das atividades de aprendizagem. Mas essas decisões são tomadas
em função do que se considera como papel do aluno e do professor nesse processo; por exemplo,
as experiências que a criança teve ou não em relação à leitura e à escrita. Incluem, também, os
critérios que definem o estar alfabetizado no contexto de uma cultura.
A reflexão sobre a teoria e a prática da alfabetização num eixo construtivista marca a dificuldade da
aplicação direta de uma teoria psicológica sem novos estudos de natureza psicológica. O movimento
redefinidor da prática alfabetizadora instalou-se em São Paulo a partir da divulgação das idéias de
FERREIRO e TEBEROSKY. Como todo movimento, foi suficientemente amplo para abarcar uma
variedade enorme de práticas pedagógicas ligadas à posição construtivista; desde um posicionamento
radical que resulta num espontaneísmo segundo o qual o papel do professor se atrofia, ate propostas
didáticas discutidas para as frases pré-silábica, silábica e alfabética.
113
Embora controvertida a questão do "como alfabetizar", existem inúmeras contribuições significativas,
já divulgadas, que estabelecem alguns eixos teórico-metodológicos de escrita.
Referências Bibliográficas
DE LA TAILLE, Y., et alii. Piaget, Vygotsky e Wallon. São Paulo: Summus (no prelo).
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Ciclo Básico. São Paulo: SE/CENP, 1987.
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SOARES, Magda Becker. Alfabetização no Brasil: o estado do conhecimento. Brasília: INEP/REDUC,1989.
TEBEROSKY, Ana. Aprendiendo a escribir. Cuadernos de Educación, 8, ICE–HORSORI-Universidad
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WEISZ, Telma. Por trás das letras. São Paulo: FDE/Diretoria de Projetos Especiais, 1992. (Material
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WELLES, Gordon. Condições para uma alfabetização total. Trad. livre por Yêda Maria da Costa Lima
Varlotta. Texto extraído de Cuadernos de Pedagogia Barcelona, n. 179, p. 11-15, 1990.
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