O CONSTRUTIVISMO E SEUS DESVIOS: DA POLÍTICA EDUCACIONAL
AO PROFESSOR
Cilene Ribeiro de Sá Leite Chakur – Programa de Pós-Graduação em Educação
Escolar – UNESP/Araraquara – chakur@fclar.unesp.br
GT 20: Psicologia da Educação
O CONSTRUTIVISMO NA POLÍTICA EDUCACIONAL E NA PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), implantados a partir de 1997,
trazem como fundamento o Construtivismo em sua versão educacional. Pretendem
oferecer diretrizes para o trabalho do professor, trazendo objetivos, conteúdos e
sugestões de atividades de cada área curricular, além de temas transversais a serem
abordados em todas as disciplinas, como um meio de integrá-las entre si e à realidade do
aluno.
Em seu volume de Introdução (BRASIL, 2000), os Parâmetros mostram
preocupação com o desenvolvimento do aluno, com a sua auto-estima e autonomia e
expõem sua opção teórica, o Construtivismo, embora seja este entendido como um
amálgama de teorias (Piaget, Vigotski, Ausubel) que pouco têm em comum.
As tentativas de introduzir o Construtivismo na educação brasileira não são
novas. A Lei 5692 de 1971 recorria à teoria dos estádios de Piaget, ao propor como
categorias curriculares Atividades, Áreas de Estudos e Disciplinas. Segundo a exposição
de motivos na época, na categoria Atividades não havia a divisão por disciplinas, era
considerada adequada ao período Operacional Concreto e destinava-se às séries iniciais;
as Áreas de Estudos serviam às séries intermediárias, quando eram agrupadas, por
exemplo, História e Geografia na grande área de Estudos Sociais; e as Disciplinas
propriamente ditas eram reservadas para as séries finais do antigo 1o Grau juntamente
com o Colegial.
Mas, desde essa época, a tentativa de “aplicar Piaget” na educação já era em si
problemática e apresentava nitidamente um desvirtuamento das idéias piagetianas
(CHAKUR, 1995). Atividade se reduzia a ação material e havia confusão entre os
conceitos de intuitivo e concreto. Além disso, não tinha sentido a proposta de Atividades
como a categoria curricular mais adequada ao período Operacional Concreto, já que
atividade, como categoria teórica, não diz respeito a um período determinado de
desenvolvimento.
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Mais de trinta anos se passaram e vemos renovadas velhas falhas, acrescidas de
outras. A falta de preparo dos professores e mesmo a ausência de uma cultura escolar
propícia ao acolhimento de certas medidas que vieram no bojo dos PCN (sistema de
ciclos e progressão continuada, por exemplo) trouxeram, novamente, confusões,
ambigüidades e mesmo resistência entre os professores diante de uma proposta que, tal
como divulgada, contrariava o papel do professor e suas formas de trabalho.
Em artigo sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais e a autonomia escolar,
Azanha (2005) salienta que
Os autores do texto introdutório dos PCN assumiram um claro compromisso
com a concepção construtivista de aprendizagem e ensino, mas o caráter
sintético da exposição dificulta, algumas vezes, a percepção de importantes
implicações desse comprometimento. 1
Ao que parece, o objetivo de “marcar a gestão” leva os governantes a implantar
um pacote de diretrizes e medidas cuja fundamentação teórica é divulgada e transmitida
de forma aligeirada, em que predominam chavões e slogans tidos como de mais fácil
assimilação, mas que se afastam da matriz teórica original. Azanha (2005) tem a mesma
opinião, quando afirma que
pode ser uma temeridade, de efeitos até desastrosos, fazer uma tentativa de
induzir centenas de milhares de professores a alterar suas práticas a partir de
uma teoria do ensino e da aprendizagem que presumimos verdadeira. Há ainda
o seguinte agravante: a ampla difusão dessa teoria, que é muito complexa,
poderá transformar-se numa difusão de slogans e expressões metafóricas que,
por si mesmas, são incapazes de ser operativas na situação de sala de aula.
Piaget se interessou essencialmente pelo problema do conhecimento. Dedicou-se
a descrever e explicar como se desenvolvem os conhecimentos. Utilizou o termo
construtivismo para expressar um questionamento epistemológico fundamental: como
se passa de um conhecimento elementar, insuficiente, para um conhecimento superior?
Como avançam os conhecimentos desde a infância até chegar ao pensamento adulto e
ao conhecimento científico? (PIAGET, 1978).
Piaget interessou aos educadores principalmente por ter pesquisado noções
básicas que integram também os currículos escolares (massa, peso, volume, número,
comprimento, classe lógica etc.). Mas a educação não era o campo de estudos de Piaget
e suas considerações sobre a educação não passam de idéias periféricas dentro do
1 Disponível em http://www.hottopos.com/harvard3/zemar.htm.
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arcabouço de sua teoria, de natureza eminentemente epistemológica e psicológica.
No entanto, as idéias e considerações de Piaget parecem ter chegado à escola de
forma descontextualizada e destituídas dos seus significados originais, segundo atestam
algumas pesquisas (MASSABNI, 2005; QUIM, 2004; SILVA, 2005; TORRES, 2004).
Assim, Quim (2004) e Torres (2004), pesquisando concepções de professoras do
I Ciclo (1ª a 4ª séries), mediante entrevista semi-estruturada, em cidades tão distintas
como Alto Araguaia - MT e Ribeirão Preto - SP, encontraram idéias bastante
semelhantes sobre o Construtivismo.
Torres (2004) pesquisou, também, a pretensa resistência dos professores ao
Construtivismo, que as professoras pesquisadas justificaram pela indisciplina então
decorrente, o fato de não poder corrigir os erros dos alunos, o caráter impositivo da
reforma e a falta de informação responsável pelo sentimento de insegurança entre os
professores.
As professoras pesquisadas por Quim (2004) mostraram preocupação com a
necessidade de respeitar as fases de desenvolvimento infantil durante o processo de
ensino-aprendizagem, tal como recomendavam as orientações construtivistas recebidas.
Os resultados também apontam “confusão, despreparo, deformações” nas concepções
construtivistas das professoras.
Massabni (2005) investigou concepções e observou práticas de professores de
Ciências de 5ª a 8ª séries de Araraquara - SP. Para eles, o Construtivismo significa
possibilitar o contato do aluno com o “concreto”, relacionar os conteúdos escolares ao
cotidiano, “partir do aluno”, “não dar nada pronto” e incentivar a participação do aluno
nas aulas, entre outras coisas.
Silva (2005) entrevistou professores de várias disciplinas de 5ª a 8ª séries da
cidade de Brodowski – SP e também os formadores indicados por eles, buscando traçar
o caminho seguido pelas idéias construtivistas até as escolas. Os dados mostraram que
as concepções construtivistas de professores e formadores baseiam-se em slogans,
quando não distorcem as idéias piagetianas originais.
Diante desses dados e tendo em conta as tentativas das políticas educacionais de
implantar o Construtivismo na educação brasileira, a presente pesquisa pretendeu
avaliar o resultado dessas tentativas levantando o “repertório construtivista” presente
nas escolas de Ensino Fundamental, recorrendo a depoimentos de seus professores.
PASSOS DA PESQUISA
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O objetivo principal desta pesquisa foi investigar como professores dos dois
ciclos do Ensino Fundamental – 1ª a 4ª séries e 5ª a 8ª séries – têm assimilado diretrizes
teóricas da política educacional oficial e transportado para a situação ensinoaprendizagem
certos princípios e idéias construtivistas que não tiveram origem no
campo educacional: haveria desvios, deformações, nessa transposição?
Como objetivos específicos, pretendíamos:
1. Verificar se os professores do ensino fundamental apresentam concepções
deformadas do Construtivismo quando tentam transportá-lo para a situação escolar;
2. Em caso positivo, identificar quais os desvios relativos ao Construtivismo mais
freqüentemente encontrados entre os professores;
3. Avaliar a auto-identificação dos professores como construtivista e analisá-la à luz da
teoria.
Participaram da pesquisa 60 professores de escolas públicas paulistas do Ensino
Fundamental, divididos em dois grupos, conforme o ciclo em que lecionam (1a a 4a ou
5a a 8a séries), com 30 professores em cada sub-amostra.
No I Ciclo, a pesquisa contou com 29 professoras e 1 professor com idades
variando de 25 a 59 anos e tempo de serviço de um ano e meio a 29 anos. A maioria dos
professores havia feito graduação em Pedagogia. No II Ciclo, havia 8 professores e 22
professoras, com idades entre 25 e 54 anos e tempo de serviço entre 1 e 28 anos. Todos
tinham formação superior.
O instrumento de pesquisa compunha-se de 40 enunciados acerca do
Construtivismo – sendo 20 afirmações “verdadeiras” e 20 “falsas” – e o professor
deveria identificar quais enunciados eram verdadeiros e quais os falsos. As afirmações
verdadeiras foram tomadas de idéias piagetianas originais (PIAGET, 1973a; 1973b;
1975; 1976; 1994; 1998). As afirmações falsas foram tomadas geralmente de slogans e
chavões comumente ouvidos no meio escolar e que expressam idéias do Construtivismo
de forma descontextualizada e sem um significado preciso.
Do rol das verdadeiras constavam, por exemplo: A avaliação é tão importante
no Construtivismo quanto no ensino tradicional; Desenvolver o raciocínio é central no
ensino construtivista; e O professor construtivista impõe limites ao aluno. São
exemplos de enunciados falsos: A aula construtivista sempre parte do concreto; O
Construtivismo condena a tabuada, que só requer decoração; O Construtivismo é um
método de ensino; e Todo conhecimento que o aluno traz de casa deve ser aproveitado.
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Em oito das 40 afirmações, todas da categoria das falsas, os professores foram
indagados sobre sua opinião, se concordavam ou não com a questão. Ao final, fazíamos
uma pequena entrevista perguntando se o professor se considerava construtivista e por
quê, quais as fontes de suas idéias sobre o Construtivismo e outros comentários e
críticas que gostaria de fazer.
O instrumento foi aplicado individualmente em 2003. Cada um dos enunciados
era lido em voz alta e o professor verbalizava se considerava a afirmação falsa ou
verdadeira, tendo em vista sua pertinência ao Construtivismo. Nas questões abertas, as
respostas eram registradas em folha à parte.
Com as questões fechadas, foram calculadas, para cada grupo de participantes,
freqüências absolutas e porcentuais de respostas incorretas (chamadas equívocos ou
desvios) dadas ao total e a cada conjunto de enunciados (os verdadeiros e os falsos).
Na análise dos equívocos tomando o total de enunciados, estabelecemos o
intervalo de 10 em 10 enunciados, contando, portanto, com as classes de “Até 10”, “11
a 20”, “21 a 30” e “31 ou mais” enunciados indicados incorretamente. Mas na análise de
cada conjunto de enunciados tomado separadamente, o intervalo foi de 5 em 5,
resultando nas classes de “Até 5”, “6 a 10”, “11 a 15” e “16 ou mais” afirmações
incorretamente indicadas.
No caso das questões abertas, as respostas dos professores foram analisadas em
termos de concordância ou não, ou dependente de circunstâncias (Sim, Não, Depende)
e os argumentos foram agrupados por semelhança.
O REPERTÓRIO CONSTRUTIVISTA DOS PROFESSORES
1. Os desvios e sua freqüência
A Tabela 1 descreve as freqüências de equívocos, em números absolutos e
porcentagens (entre parênteses), encontradas nas indicações dos professores dos dois
ciclos, considerando o total das 40 questões. As Tabelas 2 e 3 mostram as freqüências
de equívocos nas questões verdadeiras e nas falsas, respectivamente.
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Tabela 1. Freqüências de equívocos de professores dos dois Ciclos no conjunto
das questões verdadeiras e falsas
Nº de
enunciados
Até 10 11-20 21-30 31 ou + Total
I Ciclo 4 (13,3) 22 (73,3) 4 (13,3) 0 (0) 30 (100)
II Ciclo 1 (3,3) 25 (83,3) 4 (13,3) 0 (0) 30 (100)
Total 5 (8,3) 47 (78,3) 8 (13,3) 0 (0) 60 (100)
Tabela 2. Freqüências de equívocos de professores dos dois Ciclos nas questões
verdadeiras
Nº de
enunciados
Até 5 6-10 11-15 16 ou + Total
I Ciclo 22 (73,3) 8 (26,7) 0 (0) 0 (0) 30 (100)
II Ciclo 26 (86,7) 4 (13,3) 0 (0) 0 (0) 30 (100)
Total 48 (80,0) 12 (20,0) 0 (0) 0 (0) 60 (100)
Tabela 3. Freqüências de equívocos de professores dos dois Ciclos nas
questões falsas
Nº de
enunciados
Até 5 5-10 11-15 16 ou + Total
I Ciclo 1 (3,3) 14 (46,7) 12 (40,0) 3 (10,0) 30 (100)
II Ciclo 1 (3,3) 4 (13,3) 19 (63,3) 6 (20,0) 30 (100)
Total 2 (3,3) 18 (30,0) 31 (51,7) 9 (15,0) 60 (100)
Nota-se que, no conjunto das questões (verdadeiras + falsas), não parece haver
diferença entre os dois grupos de professores; a maior freqüência de equívocos está no
intervalo de 11 a 20 dos quarenta enunciados, o que é uma proporção relativamente alta
de “desvios”.
Mas os dois grupos revelam diferenças nas tabelas 2 e 3: professores do I Ciclo
se equivocaram em um maior número de questões verdadeiras (6 a 10 enunciados) do
que os do II Ciclo, embora ambos os grupos revelem maior freqüência no intervalo de
Até 5 enunciados; e professores do II Ciclo se equivocaram em um maior número de
enunciados falsos (11 a 15 e 16 ou mais) do que os do I Ciclo. Ao que parece, foi mais
difícil para os professores reconhecerem quando uma questão sobre o Construtivismo
era falsa do que quando era verdadeira. Isto pode significar que os professores são
facilmente enganados por esses slogans, quando os tomam por verdades acabadas.
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2. As opiniões dos professores sobre os enunciados
Como mencionado, em oito afirmações fazia-se uma pequena entrevista a
respeito da concordância ou não do professor com o seu conteúdo. As opiniões obtidas
são apresentadas a seguir.
2.1. A aula deve sempre partir do concreto?
A maioria dos professores dos dois grupos concorda que a aula deve partir do
concreto e alguns argumentos predominam: fica mais simples, mais fácil; é palpável; a
criança visualiza, manuseia; parte-se do conhecido, do cotidiano, da realidade do
aluno; é próximo do aluno; melhora a compreensão.
Para os julgamentos de que não se deve partir do concreto, os professores do I
Ciclo alegam que há momentos de abstração, de perguntas, de opinião e que não dá
para trabalhar só com o concreto. Os poucos professores de II Ciclo que emitem
julgamento negativo argumentam que é complicado e que assim o aluno não usa a
imaginação.
O que podemos notar nas respostas a essa questão é que, tal como já indicado
em outras pesquisas (QUIM, 2004; MASSABNI, 2005; SILVA, 2005; TORRES, 2004),
o professor sempre pensa no concreto como algo material, como aquilo que é palpável,
visível e que, portanto, o aluno pode manusear.
Na verdade, a concreção está ligada a uma das etapas do desenvolvimento do
pensamento, segundo Piaget. No período chamado Operacional Concreto, a criança só é
capaz de raciocinar sobre objetos passíveis de manipulação física ou mental. Concreto,
então, significa algo presente na realidade física ou passível de representação mental
pelo sujeito. E, nesse caso, a oposição a concreto não é abstrato, mas formal, ou seja,
quando o sujeito raciocina sobre a forma de um argumento, e não sobre o seu conteúdo
(PIAGET, 1973a; INHELDER & PIAGET, 1976).
2.2. O professor deve ou não usar cartilha para alfabetizar?
Paradoxalmente, são os professores de 1ª a 4ª séries que mais freqüentemente
não concordam que se deva usar a cartilha na alfabetização, enquanto a maioria dos
professores de 5ª a 8ª considera que a cartilha deve ser usada, ou interpõe alguma
condição.
Os argumentos a favor do uso da cartilha geralmente consideram que ela não
deve ser utilizada sozinha, mas como complementação, juntamente com outros
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recursos. Entre os argumentos contra o seu uso, em maior proporção no I Ciclo, a
maioria vê a cartilha como sendo descontextualizada, não atual. Argumento parecido é
utilizado pelos que acham que essa utilização depende: a cartilha hoje está superada,
hoje são outros métodos.
A idéia de que o Construtivismo condena a cartilha talvez seja fruto de uma
compreensão equivocada das idéias da pesquisadora argentina Emilia Ferreiro sobre a
aquisição da língua escrita.
Os estudos de Ferreiro, sozinha ou com a colaboração de Ana Teberosky,
voltaram-se para a escrita como objeto de conhecimento. Para a autora, a linguagem
escrita não constitui apenas a transcrição gráfica dos sons falados, mas tem um papel de
representação simbólica da realidade. Um problema com o qual a criança se defronta é
justamente o de compreender o que representam as marcas inscritas no papel
(FERREIRO 2001).
As pesquisas dessas autoras mostraram que as crianças se apóiam em critérios
bastante distintos daqueles dos adultos para decidir “o que se pode e o que não se pode
ler”. Um dos critérios é a quantidade mínima de letras: onde há três letras ou menos,
“não se pode ler”; outro é o critério da variabilidade de caracteres: onde há letras iguais,
também “não serve para ler”.
Pode-se inferir daí as dificuldades que a criança comumente apresenta na leitura
de textos. Ela pode se recusar a dar significado a artigos, pronomes e palavras curtas em
geral, ou a palavras que têm letras repetidas (como “bebe”, “coco” etc.). Essas
descobertas têm implicação direta na utilização de cartilhas, como indica Azenha (2001,
p. 48-49):
Grande parte delas oferece lições iniciais destinadas à aprendizagem das vogais
isoladas, seguida da combinação dessas letras em conjunto de duas letras. Podese
inferir que dificilmente crianças em níveis iniciais de aquisição conseguirão
interpretar este material como sendo adequado à leitura, considerando os
critérios de legibilidade construídos por elas.
No entanto, apontar as falhas das cartilhas não significa que se deva aboli-la. As
descobertas de Ferreiro e Teberosky devem, ao contrário, servir para dar à cartilha o
papel que realmente lhe cabe, como um dos recursos (e não o único) de alfabetização
destinado, portanto, não a dificultar a aquisição da escrita, mas a auxiliá-la. Tais
descobertas também deveriam servir para aperfeiçoar as cartilhas, oferecendo textos,
que não se choquem com a interpretação da criança, mas que a façam refletir sobre a
inadequação de suas hipóteses elementares. Tirar a cartilha ou qualquer manual didático
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da situação de aprendizagem pode significar tirar a única oportunidade de contato do
aluno com a escrita.
2.3. Ao avaliar, o professor deve ou não considerar tudo o que o aluno fizer?
É comum aos professores dos dois grupos – em maior grau entre os do I Ciclo –
a idéia de que a avaliação escolar deve considerar tudo o que o aluno fizer, pois tudo é
válido se vem do aluno, ele mostra o que sabe e isso pode ser base para o professor,
como afirmam alguns. Mas poucos parecem perceber que nem tudo o que o aluno faz
em uma avaliação corresponde ao que foi solicitado e isso deveria ser levado em conta.
Alguns professores do II Ciclo chegam a comentar, por exemplo, que há informações
equivocadas e que há coisas que não se pode aproveitar em uma avaliação.
Lembramos que a teoria construtivista piagetiana concebe o conhecimento em
termos de estrutura e função, mais que como conteúdo. Cada etapa no desenvolvimento
cognitivo dispõe de uma forma própria de organizar os conteúdos oferecidos pelo meio.
Desse modo, valorizar o aluno, respeitar o seu nível, como afirmam alguns
professores, significaria respeitar os esquemas ou estruturas cognitivas de que o aluno
dispõe; e isto significa considerar que os conteúdos escolares não são assimilados
exatamente como são transmitidos, mas que dependem das condições cognitivas do
aluno em dado momento de seu desenvolvimento.
Por outro lado, não se deve esquecer que o professor tem um papel a cumprir e
valorizar tudo o que o aluno faz pode significar omissão do professor em sua tarefa de
ensinar os conteúdos escolares.
2.4. O conteúdo deve ou não ser imposto ao aluno?
No grupo do I Ciclo, as três categorias de julgamento – sim, não e depende –
apresentam freqüências semelhantes, em torno de 30%; mas, no II Ciclo, 50% dos
julgamentos são positivos, ou seja, os professores consideram que devem impor os
conteúdos aos alunos e são poucos os que acham que depende.
Entre os professores do I Ciclo que defendem a imposição do conteúdo
predomina a idéia de que há um currículo a cumprir e, portanto, o professor deve seguir
o planejado; os do II Ciclo, por sua vez, salientam que, nessa imposição, deve-se
mostrar o porquê, de onde vem, as utilidades e lembram, apropriadamente, que essa
imposição está ligada ao papel do professor, ao papel da escola e que os interesses dos
alunos não surgem espontaneamente. Os argumentos para a não imposição giram em
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torno de que se deve respeitar o que o aluno traz, de que o conteúdo deve ser
significativo e motivar o aluno. As razões da categoria depende predominam entre os
professores de I Ciclo, que invocam, por exemplo, a realidade, a necessidade, os
conhecimentos e a motivação do aluno.
Parece-nos que o que está em jogo nos argumentos acima é o valor a ser dado
tanto ao conteúdo escolar quanto à liberdade de ação e às condições cognitivas e
motivacionais do aluno. O equívoco de submeter o valor do conteúdo escolar às
necessidades, interesses e saberes que o aluno traz para a escola pode facilmente levar o
professor à insegurança: se os conteúdos não são importantes, de que deve tratar a aula?
Como ela deve ser? E como desenvolver o raciocínio sem que haja um conteúdo como
seu objeto? É possível raciocinar no vazio?
Por outro lado, a idéia de imposição é facilmente associada à de tolhimento da
liberdade. Comentando a idéia de que não se deve reprimir a criança para poupá-la de
uma neurose quando adulta, Macedo (1996, p. 182) afirma que, “como conseqüência,
temos produzido pequenos ‘tiranos’”. Se Piaget trouxe contribuições teóricas relevantes
para a educação, ao mostrar a importância de se considerar a perspectiva infantil, diz
Macedo, na prática o que se observa é uma inversão de papéis, pois agora são os adultos
que se subordinam aos desejos e necessidades da criança. Esquece-se, portanto, que a
criança não tem condições para tomar certas decisões e que “não se trata de reduzir tudo
a um contexto de troca entre iguais, como se não houvesse diferenças entre crianças e
adultos. Nesses termos, o respeito unilateral é tão importante quanto o respeito mútuo”
(p. 197).
2.5. O professor deve intervir ou deixar que o aluno descubra sozinho o
conhecimento?
Todos os professores do I Ciclo concordam com a afirmação de que o professor
deve, sim, interferir na aprendizagem do aluno e a freqüência é também alta entre os do
II Ciclo (80%). Os argumentos em geral atribuem ao professor os papéis de facilitador e
orientador: ele deve intervir orientando, deve facilitar, ajudar no raciocínio são
afirmações recorrentes atestadas também por outras pesquisas (SILVA, 2005; TORRES,
2004). Desse modo, a alta freqüência de julgamentos que defendem que o professor
deve intervir é diluída, encoberta pela argumentação de que seu papel é facilitar,
orientar, ajudar.
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É como se os professores tivessem vergonha de afirmar sua função de instruir,
transmitir e ensinar. Quem, se não o professor, tem a tarefa de ensinar a ler e a
escrever? E de ensinar a notação matemática? E de ensinar sobre os fenômenos físicos,
os fatos históricos, as funções biológicas? Se esses conteúdos não são aprendidos na
escola, onde mais poderiam ser adquiridos?
A nosso ver, o professor desempenha sempre muitos papéis e “facilitar” não
descreve o que o professor faz. Por outro lado, a descoberta às vezes toma um tempo
desnecessário do aluno e do professor.
2.6. O professor deve ou não corrigir os erros dos alunos?
A grande maioria (90%) dos professores considera que se deve corrigir os erros
dos alunos, para orientar o aluno, mostrar o caminho, a forma correta; sinalizar, dar
um norte; mostrar o erro para não se repetir e outras parecidas.
Respostas imprecisas ou inadequadas dadas pelos alunos são consideradas
erradas pelos professores, mas muitas vezes refletem o estádio de desenvolvimento da
criança em determinada noção. Desse modo, o erro não pode ser considerado no
absoluto. Há que ser analisado.
La Taille (1997) descreve bem as funções e o valor do erro na situação de
ensino-aprendizagem. Lembra que, “de pecado capital da aprendizagem, o erro ganhou
certa nobreza”. E justamente por se ter notado sua importância, certas interpretações
pedagógicas atuais do construtivismo piagetiano acabaram por “sacralizar” o erro,
tornando-o “intocável” e, conseqüentemente, “deram à sua prevenção (os modelos) e à
sua correção – por parte do adulto, pai ou professor – um ar de profanação” (LA
TAILLE, 1997, p.25).
Assim, existe um tipo de erro que é próprio do desenvolvimento. Até atingir
certo conceito, a criança necessariamente deve passar por concepções bastante distintas
das do adulto e que dependem da fase em que se encontra. A criança confere realidade
ao que é imaterial, acreditando, por exemplo, que o sonho sai da nossa cabeça e que o
pensamento pode ser tocado (realismo); acredita que o vento sabe que sopra e que os
astros intencionalmente nos seguem (animismo); que a lua é cortada para virar meia-lua,
ou que a chuva vem de uma torneira que há no céu (artificialismo) (PIAGET, s/d).
Como salienta La Taille (1997, p. 28), essas representações infantis demonstram
que, “em vez de simplesmente ‘copiar’ o que vê ou ouve, a inteligência assimila,
confere sentido segundo o nível de organização de que é dotada”. E essa forma especial
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de tratar as informações recolhidas do meio não se deve à mera ignorância a respeito
das “respostas certas”, mas é “a prova de que a criança constrói teorias sobre o mundo,
pensa esse mundo”, não se mantém passiva, enfim.
Mas o que fazer com essas informações? Podemos pensar que, da compreensão
de certas falhas na aprendizagem como sendo “naturais”, isto é, próprias de certa fase de
desenvolvimento, pode resultar em formas mais precisas e frutíferas de intervenção
educativa, medidas que podem dirigir a aprendizagem para a rota desejável e, inclusive,
acelerar o processo.
2.7. Deve-se ou não aproveitar todo conhecimento do cotidiano que o aluno traz de
casa?
Professores dos dois Ciclos julgam mais freqüentemente que os conhecimentos
que o aluno traz do seu cotidiano devem ser aproveitados em sala de aula; porém, os
do I Ciclo acham mais freqüentemente que isso depende de alguns condicionantes.
Ambos os grupos argumentam que partir do cotidiano facilita a compreensão, a
realidade é o concreto, é mais próximo do aluno, são experiências que eles estão
vivenciando; alguns aproveitam os conhecimentos que os alunos trazem em função do
interesse do aluno. Mas professores do II Ciclo, em especial, afirmam que se deve
ampliar, enriquecer o conhecimento a partir daí e que isso pode contribuir para a aula.
E os do I Ciclo consideram que aquele aproveitamento depende do conteúdo, do
objetivo.
Não é de agora o embate entre teses que defendem, por um lado, o valor do
conhecimento cotidiano e a conveniência de seu aproveitamento na escola, sob o
argumento de que se aprende mais facilmente o que é familiar, que está próximo a nós;
e, por outro, a ruptura que a escola deveria fazer entre conhecimento cotidiano e
conhecimento escolar. No primeiro caso, chega-se, inclusive, a considerar igualmente
válidos certos processos, ações ou procedimentos que têm por contextos a escola e a
vida diária. Lembramos, por exemplo, do estudo de Carraher, Carraher e Schliemann
(1982), pesquisadores pernambucanos que sugerem que os processos de raciocínio
matemático de crianças que trabalham em feiras ou vendendo frutas na praia, por
exemplo, têm a mesma qualidade e validade que aqueles ensinados na escola, que são
de algum modo formalizados.
Pensamos que os saberes advindos do cotidiano e da tradição de um modo geral
são válidos, na verdade, no e para o contexto em que se originam, mas não podem ser
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equiparados aos saberes escolares. Ao se atribuir a mesma validade ao procedimento de
fazer conta “de cabeça” numa transação de compra e venda e ao que utiliza os signos
técnicos da Matemática, esquece-se de que os saberes ensinados na escola servem,
justamente, para que as pessoas não fiquem presas ao contexto. Os conhecimentos que a
escola transmite não servem a fins imediatistas e utilitaristas. Ao invés, são eles que nos
permitem compreender e interpretar o mundo e a nossa experiência nesse mundo,
ultrapassando o pragmatismo sempre presente no cotidiano.
2.8. O professor deve dar tudo pronto ou tudo tem que ser produto dos alunos?
A maioria dos professores de ambos os grupos, especialmente os de II Ciclo,
não concorda que o conteúdo deva ser dado pronto. Muitos argumentam que é para o
aluno refletir, criar, descobrir, que o aluno deve se esforçar, produzir, pensar,
raciocinar e desse modo se aproveita a construção do aluno Uma porcentagem
expressiva dos de I Ciclo acha que depende, afirmando que se deve dar pronto parte do
conteúdo, ou quando necessário, ou que depende do conteúdo ou do objetivo.
Algumas distinções nos parecem necessárias. Há que se distinguir o
conhecimento como conteúdo e o conhecimento como estrutura; assim também, o
conteúdo escolar não se reduz às noções operatórias estudadas por Piaget; e a aquisição
de fatos ou informações é muito distinta da aquisição de raciocínio lógico-matemático.
A escola transmite conhecimentos advindos das várias ciências, das artes e das
letras, além de outros conteúdos culturalmente valiosos, de forma organizada,
sistematizada. E enquanto uma estrutura cognitiva é sempre de natureza lógicomatemática,
os conteúdos escolares são de naturezas variadas.
Portanto, não se pode esquecer que a escola é responsável, também, pela
transmissão de fatos e informações cuja aquisição em nada se compara à de noções
lógico-matemáticas. Se para aprender os nomes das quatro estações do ano ou que
Jango foi deposto em 1964 pela ditadura precisamos apenas repetir e memorizar, esses
mecanismos não bastam para garantir a aquisição da noção de número ou dos conceitos
de nação ou nacionalidade, de democracia ou ditadura. E essa distinção em nada tira o
mérito da aprendizagem de fatos e informações, fundamental para a inserção do
indivíduo em sua cultura e para a interpretação do mundo em que vive.
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3. Auto-identificação com relação ao Construtivismo
Perguntamos, também, a cada um se se considerava ou não um “professor
construtivista”. Mais da metade (38 ou 63,3%) se considera em parte construtivista.
Mesclar foi um termo muito usado pelos professores; afirmam que possuem práticas
próprias, que não são tradicionais, porém não seguem uma única tendência; apenas 15%
se auto-identificam como construtivistas e 21,7% não se consideram assim.
Os professores que se consideram construtivistas argumentam que ajudam o
aluno a pensar, fazem atividade que privilegia o conhecimento, diversificam as
atividades ou partem da realidade do aluno.
Dos que não se consideram construtivistas, geralmente do II Ciclo, alguns
afirmam não ter fundamentos teóricos, ou que falta informação; outros lembram que a
clientela é heterogênea e há quem justifique dizendo que não consegue não corrigir os
erros.
Dos que se consideram em parte construtivistas, vemos argumentos como:
depende da classe, da clientela; há fatores que dificultam ser construtivista; sala
numerosa, tempo, cobrança da escola, conteúdo. Mais presentes entre professores de 1ª
a 4ª são os argumentos de que não dá pra ser só construtivista ou tradicional ou nem
todo método é certo ou errado. Ao que parece, alguns professores não percebem que
certos fatores, situações ou condições, como classes numerosas, tempo escasso para o
preparo de aula ou estudo, cobranças burocráticas etc., trazem dificuldades para a
implantação de qualquer proposta de ensino e não apenas do Construtivismo.
CONCLUSÃO
Em um breve resumo, diríamos que o repertório dominante entre os
professores pesquisados do que seja o Construtivismo no âmbito educacional abarca os
seguintes traços:
1) Quanto ao conteúdo: não cabe ao Construtivismo decidir o que a escola deve
ensinar, mas sim fundamentar o como ensinar; assim, não há conteúdos específicos para
o Construtivismo; tendo valor social, qualquer um pode ser ensinado. Mas o conteúdo
não deve ser imposto, pois um ambiente de coação dificulta a construção da autonomia
do aluno. A tabuada deve ser evitada, pois só requer decoração. Além disso, deve-se
aproveitar o que o aluno traz de casa, desde que se respeite a programação escolar.
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2) Quanto ao papel do professor: no Construtivismo, o principal papel do professor é
motivar, despertar o interesse do aluno; ele é um facilitador da aprendizagem. Também
faz parte do papel do professor transmitir os conteúdos escolares.
3) Quanto aos procedimentos didáticos: a aula construtivista sempre parte do concreto
do interesse do aluno, mas o Construtivismo também contempla a aula expositiva. Não
se deve dar nada pronto; tudo tem que ser produto dos alunos e o trabalho em grupo é
bastante valorizado. De acordo com o Construtivismo, não se deve usar cartilha para
alfabetizar, mas não há recursos didáticos específicos a uma aula construtivista.
4) Quanto à aprendizagem: para o Construtivismo, a aprendizagem depende do
desenvolvimento e não vice-versa. Desenvolver o raciocínio é central no ensino
construtivista, mas a memorização é também valorizada. O Construtivismo considera
que o aluno já vem com uma bagagem que é preciso aprimorar e que ele só aprende
quando está em constante atividade, seja física ou mental.
5) Quanto à avaliação da aprendizagem: a avaliação é tão importante no
Construtivismo quanto no ensino tradicional. Em uma avaliação construtivista, o
professor deve considerar tudo o que o aluno fizer.
6) A imagem do professor construtivista: o professor construtivista é aquele que
transmite e problematiza o conteúdo e respeita o ritmo de aprendizagem dos seus
alunos. Ser construtivista é dar aulas diferentes.
No grupo de 5ª a 8ª séries, são também bastante freqüentes as idéias de que: o
construtivismo é um método de ensino; não se deve corrigir os erros dos alunos; o
professor construtivista é aquele que deixa os alunos livres para agir em sala de aula e
não impõe limites; aprendizagem é o aluno descobrir sozinho se sua forma de pensar
está certa ou errada; e uma sala de aula com alunos sentados um atrás do outro não é
construtivista.
Vale salientar que nem sempre há concordância dos professores com certos
traços que presumem serem próprios do Construtivismo. Assim, diferentemente do que
indicaram (como sendo verdadeiro ou falso), muitos não concordam com as idéias
pretensamente construtivistas de que não se deve usar cartilha na alfabetização, que o
conteúdo não deve ser imposto ao aluno, que não se deve corrigir os erros e que não se
deve dar nada pronto, sendo tudo produto dos alunos. Mas a opinião dos professores
corresponde à sua crença de que, no Construtivismo, todo conhecimento do cotidiano
que o aluno traz de casa deve ser aproveitado, que, ao avaliar o aluno, o professor deve
considerar tudo o que ele fizer e que a aula deve partir do concreto.
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Gostaríamos, enfim, de levantar algumas questões que têm sido esquecidas ou
mal compreendidas quando se tenta “pedagogizar” Piaget. Sabemos que ele privilegiou
o estudo da inteligência lógico-matemática, que é, na verdade, a “essência” da
inteligência propriamente humana.
Mas a inteligência não se reduz à lógica e a compreensão não é sua única
função. Percepção, memória, representação simbólica e imitação, entre outras, são
também funções intelectuais importantes. Nesse caso, é evidente (mas muitas vezes
desconsiderado) que a criança não vem à escola apenas com as operações lógicas (ou
pré-lógicas) que conseguiu elaborar até então, como também não vem à escola apenas
com a sua inteligência. Todas aquelas funções intelectuais também estão presentes na
criança e devem ser consideradas.
Salientamos, também, que a teoria de Piaget considera que nem todas as funções
se desenvolvem no sentido de uma construção, mas apenas o que chama de inteligência
lógico-matemática e, portanto, o aspecto operativo da inteligência.
A escola, por sua vez, é responsável pela transmissão de conteúdos também de
diferentes tipos – alguns requerem compreensão para sua aquisição, e outros exigem a
memória, a percepção, a imitação etc., como a aquisição de hábitos (como saber pegar
no lápis para escrever), de normas convencionais (por exemplo, a aprendizagem de
regras escolares) e de conteúdos que devem ser simplesmente memorizados (como a
terminologia das ciências, a ortografia e a tabuada). A nosso ver, esses não são
conteúdos a serem construídos, mas são adquiridos apenas na educação escolar. Daí a
importância de sua transmissão pela escola. E oferecer tais conteúdos no currículo
escolar não significa absolutamente abrir mão da atividade do aluno.
Em suma, nem sempre o professor pode lançar mão de “procedimentos ativos”,
deixando a criança “descobrir” ou “construir por si mesma” os conteúdos, simplesmente
porque nem todo conteúdo que a escola deve transmitir é passível de construção (no
sentido piagetiano). Alguns desses conteúdos requerem a repetição e a memorização
pelo aluno e talvez a exposição verbal pelo professor, pura e simples, seja o
procedimento adequado. Daí a “mescla” que tantos professores dizem fazer em suas
práticas.
Desse modo, podemos dizer que o Construtivismo piagetiano não dá conta
inteiramente da aprendizagem escolar, já que muitas aquisições ocorrem sem que haja
construção. Mas se tomarmos, por outro lado, a teoria piagetiana em sua totalidade,
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veremos que se revela fortemente explicativa de toda aprendizagem que é de
responsabilidade da escola promover.
E isso requer outra pesquisa...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT20-1689--Int.pdf
Este artigo é muito bom, para debate. Me deu outra visão do construtivismo de Piaget e Ferreiro.
Obrigado por sua visita, volte sempre.