segunda-feira, 5 de abril de 2010

Convergência entre a teoria de Vygotsky e o construtivismo/ construcionismo




Convergência entre a teoria de Vygotsky e o construtivismo/


construcionismo

(draft)

Carlos Nogueira Fino

Universidade da Madeira


2004
As concepções de Vygotsky têm sido frequentemente contrastadas com as de

Piaget, geralmente consideradas bastante atractivas por membros

particularmente inovadores da comunidade educativa. Só que, vista de uma

perspectiva vygotskiana, a concepção piagetiana de aquisição de

conhecimento apresenta sérias deficiências, devendo, por isso, ser

considerada inapropriada para servir de fundo a qualquer intuito de reforma

educacional, a não ser que devidamente supridas. Entre essas deficiências, os

piagetianos são criticados por não darem a devida atenção ao papel dos pares

mais aptos numa determinada cultura, aos artefactos culturais que medeiam a

interacção entre os indivíduos e o seu envolvimento físico e cultural, e ao

contexto histórico-social dos processos de ensino-aprendizagem. Além disso,

os vygotskianos têm vindo a criticar o romantismo que intuem perpassar o

construtivismo centrado na criança dos piagetianos, muitas vezes sem

diferenciarem claramente o que entendem por transmissão de conhecimento.

Como resultado dessa falta de clarificação, a assim considerada concepção

vygotskiana da aquisição de conhecimento por meio de instrução tem vindo a

estabelecer-se de uma forma caricatural, que se pode sintetizar da seguinte

maneira (Hatano, 1993):

- O conhecimento a ser adquirido pelo aprendiz (membro imaturo da

sociedade) está na posse do professor (membro mais maduro),

geralmente sob a forma de um conjunto de habilidades ou de

estratégias de resolução de problemas, tendo a sociedade encarregado

o professor da transmissão do conhecimento.

- O aprendiz é trazido para dentro da situação de instrução para resolver

alguns tipos de problemas em conjunto com o professor. O professor

comunica o conhecimento de uma forma codificada verbalmente (como

um conjunto de comandos ou pares de condição-acção) e demonstra

como se resolvem os problemas usando aquela forma codificada de

conhecimento.

- O professor encarrega o aluno da execução dos passos da resolução

do problema de que é capaz, sendo os restantes executados por si,

tornando-se o papel de suporte do professor menos importante à

medida que o aprendiz vai adquirindo conhecimento.

- Quando o aprendiz se torna apto a resolver os problemas sem ajuda

do professor, considera-se que o conhecimento foi transmitido com

sucesso.

Esta “concepção vygotskiana” não passa, no entanto, de uma concepção

possível entre outras que se podem fundar sobre a ênfase que Vygotsky

1

coloca na origem social da cognição individual, com especial realce para a

ZDP. Até porque o ponto de vista contido nos quatros pontos anteriores se

baseia em assunções empiricistas implícitas e difíceis de sustentar, como as

seguintes:

- o aprendiz tem uma natureza passiva;

- o aprendiz não precisa de compreender o significado das habilidades

ensinadas, nem o conhecimento que lhes subjaz;

- só a interacção com o professor, que é sempre mais capaz que o

aprendiz, facilita a aquisição;

- o professor é a única fonte de informação e de avaliação.

Como é óbvio, estas assunções implícitas não são aceitáveis por serem pouco

plausíveis à luz da evidência que tem vindo a ser acumulada pela investigação

em educação. De facto, a investigação tem mostrado que as crianças, e as

pessoas em geral, são geralmente activas e competentes na sua vida diária e

podem beneficiar de uma variedade de interacções com outras pessoas, em

contextos naturais ou artificiais. Impõe-se, portanto, uma revisão daquela

“concepção vygotskiana”, mesmo no interior de uma perspectiva de

transmissão de conhecimento ou de habilidades. Essa revisão conduz ao que

se poderá denominar de extensão moderada da concepção vygotskiana de

aprendizagem e instrução. Uma tentativa mais ambiciosa será a de expandir

aquela concepção de modo a que ela possa incluir a aquisição de

conhecimento conceptual, expressão utilizada para significar a habilidade dos

aprendizes usarem flexivelmente as habilidades adquiridas e a inventarem

habilidades novas, sendo esse o processo de se tornarem especialistas em

adaptação. A essa tentativa atribui Hatano (1993) a designação de extensão

radical da concepção de Vygotsky, e parte do pressuposto de que, uma vez

que o conhecimento é construído pelos próprios aprendizes, confrontados com

uma variedade de constrangimentos sócio-culturais, os educadores devem

sentir-se encorajados a procurar alternativas à didáctica.

Para substituir as assunções implícitas sobre a natureza do aprendiz, contidas

na “concepção vygotskiana” acima indicadas, o mesmo autor contrapõe as

seguintes, que entende corresponderem a uma concepção vygotskiana

construtivista:

- os aprendizes são activos e gostam de ter iniciativa e escolher entre

várias alternativas;

- os aprendizes são tão competentes como activos na tarefa da

compreensão, sendo possível que construam conhecimento baseado na

sua própria compreensão, ultrapassando esse conhecimento a

informação disponibilizada pelo professor, ou indo mesmo além da

própria compreensão do professor;

- a construção de conhecimento pelo aprendiz é facilitado pelas

interacções horizontais e pelas interacções verticais;

- a disponibilidade de múltiplas fontes de informação potencia a

construção de conhecimento.

Quanto à questão da socio-génese da cognição individual sob um ponto de

vista cognitivista, um bom ponto de partida pode ser a proposta de Resnick

(1987, p. 47), para quem “the environment and the culture provide the ‘material’

2

upon which constructive mental processes will work1, desde que a natureza

desse material proporcionado pelo envolvimento e pela cultura tenha em

atenção as seguintes especificações:

- o conhecimento é frequentemente construído quando o aprendiz

interage com o professor (ou membro mais capaz), pares, ou artefactos

impregnados com as vozes2 de outros, criando juntamente com eles o

contexto para a interacção;

- através da interacção qualquer coisa é produzida colectivamente e

partilhada entre os participantes. Esta qualquer coisa pode ser um

sistema cooperativo de resolução de problemas, significados e

compreensões discutidos e negociados, senso comum e normas

definindo situações e regulando comportamentos, envolvendo o

processo também componentes sócio-emocionais;

- o aprendiz incorpora essa qualquer coisa gerando, elaborando ou

revisitando o conhecimento;

- o pequeno sistema de interacção face a face, onde decorre o descrito

nas três alíneas anteriores, está mergulhado num sistema mais vasto,

que pode ser uma instituição ou uma comunidade.

E desta forma se sugere uma perspectiva de harmonização e de confluência

entre a teoria sócio-cultural de Vygotsky e o construtivismo construcionista de

Seymour Papert.

É oportuno relembrar que é comum entre os construtivistas a ideia de que o

conhecimento é construído activamente pelos aprendizes, e que educar

consiste em proporcionar-lhes oportunidades de se ocuparem em actividades

criativas, que alimentem aquele processo de construção de conhecimento.

Parafraseando Papert, os aprendizes não aprendem melhor pelo facto do

professor ter encontrado melhores maneiras de os instruir, mas por lhes ter

proporcionado melhores oportunidades de construir. Como já se referiu, a esta

visão da educação deu Papert o nome de construcionismo, teoria segundo a

qual a aprendizagem acontece quando os aprendizes se ocupam na

construção de qualquer coisa cheia de significado para si próprios, quer essa

coisa seja um castelo de areia, uma máquina, um poema, uma história, uma

canção, um programa de computador. Desse modo, o construcionismo envolve

dois tipos de construção: construção das coisas (objectos, artefactos) que o

aprendiz efectua a partir de materiais (cognitivos) recolhidos do mundo

(exterior) que o rodeia, e construção (interior) do conhecimento que está

relacionado com aquelas coisas.

1 A este respeito Papert em Mindstorms escreve o seguinte: “(...) todo o apoio à criança

enquanto ela constrói as suas estruturas intelectuais com materiais obtidos na cultura que a

circunda. Nesse modelo, a intervenção educacional significa mudanças na cultura, a introdução

de novos elementos construtivos e a eliminação dos elementos perniciosos” (Papert, 1980, pp.

49-50).

2 Segundo Bodero et al.(1997), a ideia de vozes é retirada dos trabalhos de Bakhtin e baseia-se

na ideia que a experiência humana não fala por si própria mas precisa de vozes originais que a

interpretem. As vozes são produzidas numa situação social, e gradualmente reconhecidas pela

sociedade, até se tornarem num modo partilhado de falar da experiência humana. Funcionam

como vozes que pertencem a pessoas reais com as quais se estabelece um diálogo que pode

ser mantido para além do tempo e do espaço, sendo continuamente regeneradas em resposta

a situações em mudança, não sendo, portanto, ecos mumificados para serem ouvidas

passivamente, mas ferramentas vivas de interpretação da experiência humana em mudança.

3

E será também conveniente referir que Hatano não é uma voz isolada a

reclamar a não contradição entre a teoria de Vygotsky e o construtivismo,

sobre o qual Papert, que foi colaborador de Piaget, baseou em grande medida

a sua posição construcionista. Cole e Wertsch (1996), negam, pura e

simplesmente, a validade do estereótipo que é geralmente referido como o

fulcro de uma hipotética antinomia entre Piaget e Vygotsky. Esse estereótipo

consiste, basicamente, na ideia que a criança individual, em Piaget, constrói

conhecimento através das suas acções no mundo (compreender é inventar),

enquanto que Vygotsky reivindica a origem social da compreensão.

De acordo com Cole e Wertsch, existem duas dificuldades relacionadas com

esse estereótipo. A primeira tem que ver com o facto de, segundo afirmam,

não constar que Piaget tenha alguma vez negado o papel igualmente

importante do mundo social na construção do conhecimento, sendo possível

encontrar, nos seus escritos, referências suficientes considerando o individual

e o social igualmente importantes. A segunda tem que ver com o facto de

Vygotsky ter insistido na centralidade da construção activa do conhecimento,

sendo essa insistência ilustrada por passagens como a seguinte, que,

ironicamente, foi escrita como parte de uma revisão crítica do discurso

egocêntrico de Piaget:

Activity and practice: these are the new concepts that have allowed us

to consider the function of egocentric speech from a new perspective, to

consider it in its completeness... But we have seen that where the child’s

egocentric speech is linked to his practical activity, where it is linked to

his thinking, things do operate on his mind and influence it. By the word

things, we mean reality. However, what we have in mind is not reality as

it is passively reflected in perception or abstractly cognized. We mean

reality as it is encountered in practice”.3

Ainda segundo Hatano, existem cinco características da aquisição de

conhecimento que corroboram e complementam a conciliação entre o

construtivismo e a teoria histórico-cultural:

- O conhecimento é adquirido através de construção e não apenas por

transmissão. Evidências sobre esse facto são fornecidas por trabalhos

sobre erros de procedimento e sobre falsas noções, cuja aquisição

através de ensino directo é improvável. Por exemplo, as crianças mais

jovens enganam-se frequentemente na subtracção, sendo o seu erro

mais comum subtraírem sempre o dígito mais pequeno do maior,

independentemente da sua posição. Outro equívoco bastante

generalizado consiste na crença de que a divisão só pode originar

quocientes menores que os dividendos. Quer num caso, quer noutro,

parece ser bastante improvável que algum professor possa “ensinar”

coisas semelhantes.

- As crianças não pensam como adultos incompletos ou em miniatura, e

qualquer aquisição de conhecimento envolve reestruturação, de modo

que uma nova aquisição não resulta apenas em aumento do

conhecimento, mas implica a reorganização do conhecimento anterior.

Por exemplo, na atribuição de propriedades desconhecidas a objectos

animados, Hatano verificou que as crianças mais jovens fazem

3 Vygotsky (1987). The collected works of L. S. Vygotsky: Vol.1, Problems of general

psychology. Including the volume Thinking and speech. New York: Plenum. (N. Minick, Trans.).

4

inferências de semelhança, enquanto que os adultos e as crianças

maiores inferem com base em categorias. Daí considerar que os

estudos sobre mudança conceptual, seja na história da ciência ou no

desenvolvimento cognitivo, são especialmente significativos, porque a

mudança nas concepções fundamentais é, talvez, a forma mais radical

de reestruturação.

- O processo de aquisição de conhecimento é condicionado,

internamente, pelo conhecimento já acumulado e, externamente, por

artefactos culturais partilhados (como a linguagem). Isto explica, em

parte, porque é que indivíduos diferentes adquirem conhecimento

semelhante, mas não idêntico.

- O conhecimento é específico e, para a resolução de problemas, cada

indivíduo apenas necessita de ter acesso ao conhecimento relevante.

No entanto, o que se adquire num determinado domínio pode ser

transferido para outro (por analogia, por exemplo), ou generalizado para

uma variedade de domínios (através de um processo de abstracção).

- A aquisição de conhecimento é um fenómeno “situado”. Reflecte o

modo como foi adquirido e a maneira como tem sido utilizado. Assim,

está longe de consistir apenas em regras, leis, ou fórmulas abstractas,

sendo também composto de experiência pessoal. Mas quando um

aprendiz se converte em especialista, sobretudo em campos de índole

marcadamente abstracta (como, por exemplo, a matemática e a física),

essa conversão pode constituir um fenómeno de “des-situação” de

conhecimento, que passa a ser menos dependente de laços contextuais

e menos ligado às características superficiais (Hatano, 1996).

Referências:

Boero, P., Pedemonte, B. e Robott,i E. (1997). “Approaching theoretical

knowledge through voices and echoes: a Vygotskian perspective”. PME XXI

(pp. 81-88). Lathi, Finland.

Cole, M. e Wertsch, J. (1996). “Beyond the Individual-Social Antimony in

Discussions of Piaget and Vygotsky”:

http://www.massey.ac.nz/~ALock/virtual/colevyg.htm.

Hatano, G. (1993). “Time to Merge Vygotskian and Constructivist Conceptions

of Knowledge Acquisition”. In Ellice A. Forman, Norris Minick e C. Addison

Stone (Ed.), Contexts for Learning - Sociocultural Dynamics in Children´s

Development (pp. 153-166). New York: Oxford University Press.

Hatano, G. (1996). “A Conception of Knowledge Acquisition and Its Implications

for Mathematics Education”. In Steffe e Nesher (Ed.), Theories of Mathematical

Learning (pp. 197-217). Hillsdale NJ: Lawrence Erlbaum Associates.

Papert, S. (1980). Mindstorms - Children, Computers and Powerful Ideas. New

York: Basic Books, Inc.

5

Resnick, L. (1987). “Constructing knowledge in school”. In L. S. Liesben (Ed.),

Development and learning: conflict or congruence? (pp. 19-50). Hillsdale NJ:

Lawrence Erlbaum Associates.

Vygotsky (1987). The collected works of L. S. Vygotsky: Vol.1, Problems of

general psychology. Including the volume Thinking and speech. New York:

Plenum.


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sábado, 3 de abril de 2010

HISTÓRIA, DEFICIÊNCIA E EDUCAÇÃO ESPECIAL1 Arlete Aparecida Bertoldo Miranda*

HISTÓRIA, DEFICIÊNCIA E EDUCAÇÃO ESPECIAL1

Arlete Aparecida Bertoldo Miranda*
*Doutora em Educação
Profª da FACED/Universidade Federal de Uberlândia
arlete@ufu.br
 


Resumo: O objetivo deste texto é fazer um rastreamento histórico da Educação Especial, procurando resgatar os diferentes momentos vivenciados, objetivando compreender os fatos que influenciaram na prática do cotidiano escolar as conquistas alcançadas pelas pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais. Desde a Antiguidade, com a eliminação física ou o abandono, passando pela prática caritativa da Idade Média, o que era uma forma de exclusão, ou na Idade Moderna, em que o Humanismo, ao exaltar o valor do homem, tinha uma visão patológica da pessoa que apresentava deficiência, o que trazia como conseqüência sua separação e menosprezo da sociedade, podemos constatar que a maneira pela qual as diversas formações sociais lidaram com a pessoa que apresentava deficiência reflete a estrutura econômica, social e política do momento. Durante a maior parte da História da Humanidade, o deficiente foi vítima de segregação, pois a ênfase era na sua incapacidade, na anormalidade. Na década de 70 surgiu o movimento da Integração, com o conceito de normalização, expressando que ao deficiente devem ser dadas condições as mais semelhantes às oferecidas na sociedade em eu ele vive. Em meados da década de 90, no Brasil, começaram as discussões em torno do novo modelo de atendimento escolar denominado Inclusão Escolar. Esse novo paradigma surge como uma reação contrária ao princípio de integração, e sua efetivação prática tem gerado muitas controvérsias e discussões.
Palavras-chave:
Educação – Educação Especial – História da Deficiência – Integração – Inclusão – Educação Inclusiva
Este texto se propõe a realizar um rastreamento histórico da Educação Especial, procurando resgatar os diferentes momentos vivenciados, objetivando compreender que acontecimentos ou fatos influenciaram na prática do cotidiano escolar, marcando as conquistas alcançadas pelos indivíduos que apresentam necessidades educacionais especiais.
Alguns estudiosos da área da Educação Especial, analisando a sua história em países da Europa e América do Norte, identificam quatro estágios no desenvolvimento do atendimento às pessoas que apresentam deficiências (KIRK e GALLAGHER, 1979; MENDES, 1995; SASSAKI, 1997).
1 Reflexões desenvolvidas na tese de doutorado: A Prática Pedagógica do Professor de Alunos com Deficiência Mental, Unimep, 2003.
2
Inicialmente é evidenciada uma primeira fase, marcada pela negligência, na era pré-cristã, em que havia uma ausência total de atendimento. Os deficientes eram abandonados, perseguidos e eliminados devido às suas condições atípicas, e a sociedade legitimava essas ações como sendo normais. Na era cristã, segundo Pessotti (1984), o tratamento variava segundo as concepções de caridade ou castigo predominantes na comunidade em que o deficiente estava inserido.
Num outro estágio, nos séculos XVIII e meados do século XIX, encontra-se a fase de institucionalização, em que os indivíduos que apresentavam deficiência eram segregados e protegidos em instituições residenciais. O terceiro estágio é marcado, já no final do século XIX e meados do século XX, pelo desenvolvimento de escolas e/ou classes especiais em escolas públicas, visando oferecer à pessoa deficiente uma educação à parte. No quarto estágio, no final do século XX, por volta da década de 70, observa-se um movimento de integração social dos indivíduos que apresentavam deficiência, cujo objetivo era integrá-los em ambientes escolares, o mais próximo possível daqueles oferecidos à pessoa normal.
Podemos dizer que a fase de integração fundamentava-se no fato de que a criança deveria ser educada até o limite de sua capacidade. De acordo com Mendes (1995), a defesa das possibilidades ilimitadas do indivíduo e a crença de que a educação poderia fazer uma diferença significativa no desenvolvimento e na vida das pessoas aparecem no movimento filosófico posterior à Revolução Francesa. Desse momento em diante o conceito de educabilidade do potencial do ser humano passou a ser aplicado também à educação das pessoas que apresentavam deficiência mental.
No início do século XIX, o médico Jean Marc Itard (1774-1838) desenvolveu as primeiras tentativas de educar uma criança de doze anos de idade, chamado Vitor, mais conhecido como o “Selvagem de Aveyron”. Reconhecido como o primeiro estudioso a usar métodos sistematizados para o ensino de deficientes, ele estava certo de que a inteligência de seu aluno era educável, a partir de um diagnóstico de idiotia que havia recebido.
Outro importante representante dessa época foi o também médico Edward Seguin (1812-1880), que, influenciado por Itard, criou o método fisiológico de treinamento, que consistia em estimular o cérebro por meio de atividades físicas e sensoriais. Seguin não se preocupou apenas com os estudos teóricos sobre o conceito de idiotia e desenvolvimento de um método educacional, ele também se dedicou ao desenvolvimento de serviços, fundando em 1837, uma escola para idiotas2, e ainda foi o primeiro presidente de uma organização de profissionais, que atualmente é conhecida como Associação Americana sobre Retardamento Mental (AAMR).
Maria Montessori (1870-1956) foi outra importante educadora que contribuiu para a evolução da educação especial. Também influenciada por Itard, desenvolveu um programa de treinamento para crianças deficientes mentais, baseado no uso sistemático e manipulação de objetos concretos. Suas técnicas para o ensino de deficientes mentais foram experimentadas em vários países da Europa e da Asia.
As metodologias desenvolvidas por esses três estudiosos, durante quase todo o século XIX, foram utilizadas para ensinar as pessoas denominadas idiotas que se
2 Segundo Seguin o idiota padrão é um ser que nada sabe, nada pode e nada quer.
3
encontravam em instituições. Todas essas tentativas de educabilidade eram realizadas tendo em vista a cura ou eliminação da deficiência através da educação.
Vários pesquisadores já evidenciaram que descrever a história da Educação Especial para deficientes mentais no Brasil não é uma tarefa simples (FERREIRA, 1989; EDLER, 1993; MENDES, 1995), uma vez que não encontramos na literatura disponível estudos sistematizados sobre o assunto.
Quando dirigimos o nosso olhar para a história da Educação Especial no Brasil, verificamos que a evolução do atendimento educacional especial irá ocorrer com características diferentes daquelas observadas nos países europeus e norte-americanos. Os quatro estágios identificados em tais países não parecem estar estampados na realidade brasileira (MENDES, 1995; DECHICHI, 2001).
A fase da negligência ou omissão, que pode ser observada em outros países até o século XVII, no Brasil pode ser estendida até o início da década de 50. Segundo Mendes (1995), durante esse tempo, observamos que a produção teórica referente à deficiência mental esteve restrita aos meios acadêmicos, com escassas ofertas de atendimento educacional para os deficientes mentais.
Entre os séculos XVIII e XIX podemos identificar a fase da institucionalização em outros países do mundo, marcada pela concepção organicista, que tinha como pressuposto a idéia de a deficiência mental ser hereditária com evidências de degenerescência da espécie. Assim a segregação era considerada a melhor forma para combater a ameaça representada por essa população. Nesta mesma ocasião, no nosso país, não existia nenhum interesse pela educação das pessoas consideradas idiotas e imbecis, persistindo, deste modo, a era da negligência (MENDES, 1995; DECHICHI, 2001).
A história da Educação Especial no Brasil tem como marcos fundamentais a criação do “Instituto dos Meninos Cegos” (hoje “Instituto Benjamin Constant”) em 1854, e do “Instituto dos Surdos-Mudos” (hoje, “Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES”) em 1857, ambos na cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa do governo Imperial (JANNUZZI,1992; BUENO,1993; MAZZOTTA,1996).
A fundação desses dois Institutos representou uma grande conquista para o atendimento dos indivíduos deficientes, abrindo espaço para a conscientização e a discussão sobre a sua educação. No entanto, não deixou de “se constituir em uma medida precária em termos nacionais, pois em 1872, com uma população de 15.848 cegos e 11.595 surdos, no país eram atendidos apenas 35 cegos e 17 surdos” (MAZZOTTA, 1996, p.29), nestas instituições.
Assim, a Educação Especial se caracterizou por ações isoladas e o atendimento se referiu mais às deficiências visuais, auditivas e, em menor quantidade, às deficiências físicas. Podemos dizer que em relação à deficiência mental houve um silêncio quase absoluto.
Em cada época, as concepções de deficiência mental refletiam as expectativas sociais daquele momento histórico. Nesse contexto, a concepção de deficiência mental, de acordo com Jannuzzi (1992), passou a englobar diversos tipos de crianças que tinham em comum o fato de apresentarem comportamentos que divergiam daqueles esperados pela sociedade e conseqüentemente pela escola. Sob o rótulo de deficientes mentais,
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encontramos alunos indisciplinados, com aprendizagem lenta, abandonados pela família, portadores de lesões orgânicas, com distúrbios mentais graves, enfim toda criança considerada fora dos padrões ditados pela sociedade como normais.
No Brasil, a deficiência mental não era considerada como uma ameaça social nem como uma degenerescência da espécie. Ela era atribuída aos infortúnios ambientais, apesar da crença numa concepção organicista e patológica (MENDES, 1995).
Jannuzzi (1992) nos mostrou que a defesa da educação dos deficientes mentais visava economia para os cofres públicos, pois assim evitaria a segregação destes em manicômios, asilos ou penitenciarias.
Enquanto o movimento pela institucionalização dos deficientes mentais, em vários países, era crescente com a criação de escolas especiais comunitárias e de classes especiais em escolas públicas, no nosso país havia uma despreocupação com a conceituação, identificação e classificação dos deficientes mentais.
Entre a década de 30 e 40 observamos várias mudanças na educação brasileira, como, por exemplo, a expansão do ensino primário e secundário, a fundação da Universidade de São Paulo etc. Podemos dizer que a educação do deficiente mental ainda não era considerada um problema a ser resolvido. Neste período a preocupação era com as reformas na educação da pessoa normal.
No panorama mundial, a década de 50 foi marcada por discussões sobre os objetivos e qualidade dos serviços educacionais especiais. Enquanto isso, no Brasil acontecia uma rápida expansão das classes e escolas especiais nas escolas públicas e de escolas especiais comunitárias privadas e sem fins lucrativos. O número de estabelecimentos de ensino especial aumentou entre 1950 e 1959, sendo que a maioria destes eram públicos em escolas regulares.
Em 1967, a Sociedade Pestalozzi do Brasil, criada em 1945, já contava com 16 instituições por todo o país. Criada em 1954, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais já contava também com 16 instituições em 1962. Nessa época, foi criada a Federação Nacional das APAES (FENAPAES) que, em 1963, realizou seu primeiro congresso (MENDES, 1995).
Nesta época, podemos dizer que houve uma expansão de instituições privadas de caráter filantrópico sem fins lucrativos, isentando assim o governo da obrigatoriedade de oferecer atendimento aos deficientes na rede pública de ensino.
Foi a partir dos anos 50, mais especificamente no ano de 1957, que o atendimento educacional aos indivíduos que apresentavam deficiência foi assumido explicitamente pelo governo federal, em âmbito nacional, com a criação de campanhas voltadas especificamente para este fim.
A primeira campanha foi feita em 1957, voltada para os deficientes auditivos – “Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro”. Esta campanha tinha por objetivo promover medidas necessárias para a educação e assistência dos surdos, em todo o Brasil. Em seguida é criada a “ Campanha Nacional da Educação e Reabilitação do Deficiente da Visão”, em 1958.
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Em 1960 foi criada a “Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais” (CADEME). A CADEME tinha por finalidade promover em todo território Nacional, a “ educação, treinamento, reabilitação e assistência educacional das crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo” (MAZZOTTA, 1996, p. 52).
Nesse período, junto com as discussões mais amplas sobre reforma universitária e educação popular, o estado aumenta o número de classes especiais, principalmente para deficientes mentais, nas escolas públicas. Sobre isso, Ferreira (1989) e Jannuzzi (1992), esclarecem que na educação especial para indivíduos que apresentam deficiência mental há uma relação diretamente proporcional entre o aumento de oportunidades de escolarização para as classes mais populares e a implantação de classes especiais para deficiência mental leve nas escolas regulares públicas.
Ao longo da década de 60, ocorreu a maior expansão no número de escolas de ensino especial já vista no país. Em 1969, havia mais de 800 estabelecimentos de ensino especial para deficientes mentais, cerca de quatro vezes mais do que a quantidade existente no ano de 1960.
Enquanto que, na década de 70, observamos nos países desenvolvidos, amplas discussões e questionamentos sobre a integração dos deficientes mentais na sociedade, no Brasil acontece neste momento a institucionalização da Educação Especial em termos de planejamento de políticas públicas com a criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), em 1973.
A prática da integração social no cenário mundial teve seu maior impulso a partir dos anos 80, reflexo dos movimentos de luta pelos direitos dos deficientes. No Brasil, essa década representou também um tempo marcado por muitas lutas sociais empreendidas pela população marginalizada.
As mudanças sociais, ainda que mais nas intenções do que nas ações, foram se manifestando em diversos setores e contextos e, sem dúvida alguma, o envolvimento legal nestas mudanças foi de fundamental importância. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 208, estabelece a integração escolar enquanto preceito constitucional, preconizando o atendimento aos indivíduos que apresentam deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Podemos dizer que ficou assegurado pela Constituição Brasileira (1988) o direito de todos à educação, garantindo, assim, o atendimento educacional de pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais.
Segundo Bueno (1994), é mínimo o acesso à escola de pessoas que apresentam deficiência mental, com o agravante de esse acesso servir mais a legitimação da marginalidade social do que à ampliação das oportunidades educacionais para essa população.
No intuito de reforçar a obrigação do país em prover a educação, é publicada, em dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96. Essa lei expressa em seu conteúdo alguns avanços significativos. Podemos citar a extensão da oferta da educação especial na faixa etária de zero a seis anos; a idéia de melhoria da qualidade
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dos serviços educacionais para os alunos e a necessidade de o professor estar preparado e com recursos adequados de forma a compreender e atender à diversidade dos alunos.
Constatamos que o capítulo V dessa lei trata especificamente da Educação Especial, expressando no artigo 58 que a educação especial deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino e, quando necessário, deve haver serviços de apoio especializado.
É interessante considerar que os serviços especializados e o atendimento das necessidades específicas dos alunos garantidos pela lei estão muito longe de serem alcançados. Identificamos, no interior da escola, a carência de recursos pedagógicos e a fragilidade da formação dos professores para lidar com essa clientela.
Em lei, muitas conquistas foram alcançadas. Entretanto, precisamos garantir que essas conquistas, expressas nas leis, realmente possam ser efetivadas na prática do cotidiano escolar, pois o governo não tem conseguido garantir a democratização do ensino, permitindo o acesso, a permanência e o sucesso de todos os alunos do ensino especial na escola.
Entretanto, não podemos negar que a luta pela integração social do indivíduo que apresenta deficiência foi realmente um avanço social muito importante, pois teve o mérito de inserir esse indivíduo na sociedade de forma sistemática, se comparado aos tempos de segregação.
Ao revisitarmos a história da Educação Especial até a década de 90, podemos perceber conquistas em relação à educação dos indivíduos que apresentam deficiência mental. Não é pouco avanço ir de uma quase completa inexistência de atendimento de qualquer tipo à proposição e efetivação de políticas de integração social. Podemos falar, também, de avanços e muitos retrocessos, de conquistas questionáveis e de preconceitos cientificamente legitimados.
Em meados da década de 90, no Brasil, começaram as discussões em torno do novo modelo de atendimento escolar denominado inclusão escolar. Esse novo paradigma surge como uma reação contrária ao processo de integração, e sua efetivação prática tem gerado muitas controvérsias e discussões.
Reconhecemos que trabalhar com classes heterogêneas que acolhem todas as diferenças traz inúmeros benefícios ao desenvolvimento das crianças deficientes e também as não deficientes, na medida em que estas têm a oportunidade de vivenciar a importância do valor da troca e da cooperação nas interações humanas. Portanto, para que as diferenças sejam respeitadas e se aprenda a viver na diversidade, é necessário uma nova concepção de escola, de aluno, de ensinar e de aprender.
A efetivação de uma prática educacional inclusiva não será garantida por meio de leis, decretos ou portarias que obriguem as escolas regulares a aceitarem os alunos com necessidades especiais, ou seja, apenas a presença física do aluno deficiente mental na classe regular não é garantia de inclusão, mas sim que a escola esteja preparada para dar conta de trabalhar com os alunos que chegam até ela, independentemente de suas diferenças ou características individuais.
A literatura evidencia que no cotidiano da escola os alunos com necessidades educacionais especiais inseridos nas salas de aula regulares vivem uma situação de experiência escolar precária ficando quase sempre à margem dos acontecimentos e das
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atividades em classe, porque muito pouco de especial é realizado em relação às características de sua diferença.
As questões teóricas do processo de inclusão têm sido amplamente discutidas por estudiosos e pesquisadores da área de Educação Especial, no entanto pouco se tem feito no sentido de sua aplicação prática. O como incluir tem se constituído a maior preocupação de pais, professores e estudiosos, considerando que a inclusão só se efetivará se ocorrerem transformações estruturais no sistema educacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUENO, J. G. S. Educação especial brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC, 1993.
________. A educação do deficiente auditivo no Brasil. In: BRASIL/MEC/SEESP. Tendências e desafios da educação especial. Brasília: SEESP, 1994, p. 35-49.
DECHICHI, C. Transformando o ambiente da sala de aula em um contexto promotor do desenvolvimento do aluno deficiente mental. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001.
EDLER-CARVALHO, R. Avaliação e atendimento em educação especial. Temas em Educação Especial. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, v. 02, 1993, p. 65-74.
FERREIRA, J. R. A construção escolar da deficiência mental. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1989.
JANNUZZI, G. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. Campinas/SP: Editores Associados, 1992.
KIRK, S. A. & GALLAGHER, J. J. Education exceptional children. Boston: Houghton Miffin Company, 1987.
MAZZOTTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.
MENDES, E. G. Deficiência mental: a construção científica de um conceito e a realidade educacional. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995.
PESSOTTI, I. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: T. A. Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1984.
SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de janeiro: WVA, 1997.

*Doutora em Educação
Profª da FACED/Universidade Federal de Uberlândia
arlete@ufu.br


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OS TIPOS DE CONHECIMENTO HUMANO




OS TIPOS DE CONHECIMENTO HUMANO



No processo de apreensão da realidade do objeto, o sujeito cognoscente pode penetrar em todas as esferas do conhecimento: ao estudar o homem, por exemplo, pode-se tirar uma série de conclusões sobre a sua atuação na sociedade, baseada no senso comum ou na experiência cotidiana; pode-se analisá-lo como um ser biológico, verificando através de investigação experimental, as relações existentes entre determinados orgãos e suas funções; pode-se questioná-lo qunato à sua origem e destino, assim como quanto à sua liberdade; finalmente, pode-se observá-lo como ser criado pela divindade, à sua imagem e semelhança, e meditar sobre o que dele dizem os textos sagrados.

Apesar da separação metodológica entre os tipos de conhecimento popular, filosófico, religioso e científico, estas formas de conhecimento podem coexistir na mesma pessoa: um cientista, voltado, por exemplo, ao estudo da física, pode ser crente praticante de determinada religião, estar filiado a um sistema filosófico e, em muitos aspectos de sua vida cotidiana, agir segundo conhecimentos provenientes do senso comum.

Para melhor entender cada um desses tipos de conhecimento, vamos inicilamente traçar um paralelo entre o conhecimento científico e o conhecimento popular, para depois sinteticamente identificar o que caracteriza cada um deles.

 O conhecimento científico e outros tipos de conhecimento

Ao se falar em conhecimento científico, o primeiro passo consiste em diferenciá-lo de outros tipos de conhecimentos existentes. Para tal, analisemos uma situação muito presente no nosso cotidiano.

O parto no âmbito popular e o parto no âmbito da ciência da medicina.

Tipos de conhecimentos que encontram-se mesclados neste exemplo:

Empírico, popular, vulgar, transmitido de geração em geração por meio da educação informal e baseado na imitação e na experiência pessoal.

Científico, conhecimento obtido de modo racional, conduzido por meio de procedimentos científicos. Visa explicar "por que" e "como" os fenômenos ocorrem.

 Correlação entre Conhecimento Popular e Conhecimento Científico

 O conhecimento vulgar ou popular, também chamado de senso comum, não se distingue do conhecimento nem pela veracidade, nem pela natureza do objeto conhecido. O que diferencia é a FORMA, O MODO OU O MÉTODO E OS INSTRUMENTOS DO CONHECER.

Aspectos a considerar:

A ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade.

Um objeto ou um fenômeno podem ser matéria de observação tanto para o cientista quanto para o homem comum. O que leva um ao conhecimento científico e outro ao vulgar ou popular é a forma de observação.

Tanto o "bom senso", quanto a "ciência" almejam ser racionais e objetivos.

 Características do Conhecimento Popular

 Se o "bom senso", apesar de sua aspiração à racionalidade e objetivo, só consegue atingir essa condição de forma muito limitada, pode-se dizer que o conhecimento vulgar, popular, latu sensu, é o modo comum , corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto com as coisas e os seres humanos.

"É o saber que preenche a nossa vida diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplicação de um método e sem se haver refletido sobre algo". (Babini, 1957:21).

 Verificamos que o conhecimento científico diferencia-se do popular muito mais no que se refere ao seu contexto metodológico do que propriamente ao seu conteúdo. Essa diferença ocorre também em relação aos conhecimentos filosóficos e religioso (teológico).

Apresentamos abaixo, em linhas gerais, as características principais dos quatro tipos de conhecimento: popular, filosófico, teológico e cinetífico.

 CONHECIMENTO POPULAR

 Superficial - conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas.

Sensitivo - referente a vivências, estados de ânimo e emoções da vida diária.

Subjetivo - é o próprio sujeito que organiza suas experiências e conhecimentos.

Assistemático - a organização da experiência não visa a uma sistematização das idéais, nem da forma de adquirí-las nem na tentativa de validá-las.

Acrítico - verdadeiros ou não, a pretensão de que esses conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma crítica.

 CONHECIMENTO FILOSÓFICO

 Valorativo - seu ponto de partida consiste em hipóteses, que não poderão ser submetidas à observação. As hipóteses filosóficas baseiam-se na experiência e não na experimentação.

Não verificável - os enunciados das hipóteses filosóficas não podem ser confirmados nem refutados.

Racional - consiste num conjunto de enunciados logicamente correlacionados.

Sistemático - suas hipóteses e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estudada, numa tentativa de apreendê-la em sua totalidade.

Infalível e exato - suas hipóteses e postulados não são submetidos ao decisivo teste da observação, experimentação.

A filosofia encontra-se sempre à procura do que é mais geral, interessando-se pela formulação de uma concepção unificada e unificante do universo. Para tanto, procura responder às grandes indagações do espírito humano, buscando até leis mais universais que englobem e harmonizem as conclusões da ciência.

 CONHECIMENTO RELIGIOSO OU TEOLÓGICO

 Apoia-se em doutrinas que contêm proposições sagradas, valorativas, por terem sido reveladas pelo sobrenatural, inspiracional e, por esse motivo, tais verdades são consideradas infalíveis, indiscutíveis e exatas. É um conhecimento sistemático do mundo (origem, significado, finalidade e destino) como obra de um criador divino. Suas evidências não são verificadas. Está sempre implícita uma atidude de fé perante um conhecimento revelado.

O conhecimento religioso ou teológico parte do pricípio de que as verdades tratadas são infalíveis e indiscutíveis, por consistirem em revelações da divindade, do sobrenatural.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO

 Real, factual - lida com ocorrências, fatos, isto é, toda forma de existência que se manifesta de algum modo.

Contingente - suas proposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida através da experimentação e não pela razão, como ocorre no conhecimento filosófico.

Sistemático - saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias (teoria) e não conhecimentos dispersos e desconexos.

Verificável - as hipóteses que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência.

Falível - em virtude de não ser definitivo, absoluto ou final.

Aproximadamente exato - novas proposições e o desenvolvimento de novas técnicas podem reformular o acervo de teoria existente.

 MÉTODOS CIENTÍFICOS

 Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos; em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam estes métodos são ciências. Dessas afirmações podemos concluir que a utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos.

Conceitos de método

 "Caminho pelo qual se chega a determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido fixado de antemão de modo refletido e deliberado". (Hegenberg, 1976:II-115)1.

 "Forma de selecionar técnicas e avaliar alternativas para ação científica". (Ackoff In: Hegenberg, 1976:II-116)2.

 "Forma ordenada de proceder ao longo de um caminho". (Trujillo, 1974:24)3

 "Ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários para atingir um fim dado". (Jolivet, 1979:71)4.

 "Conjuntos de processos que o espírito humano deve empregar na investigação e demonstração da verdade". (Cervo e Bervian, 1978:17)5.

 "Caracteriza-se por ajudar a compreender, no sentido mais amplo, não os resultados da investigação científica, mas o próprio processo de investigação". (Kaplan In: Grawitz, 1975:I-18)6.

 Desenvolvimento histórico do método

A preocupação em descobrir e, portanto, explicar a natureza vem desde os primórdios da humanidade, quando as duas principais questões referiam-se às forças da natureza, a cuja mercê viviam os homens, e à morte. O conhecimento mítico voltou-se à explicação desses fenômenos, atribuindo-os a entidades de caráter sobrenatural. A verdade era impregnada de noções supra-humanas e a explicação fundamentava-se em motivações humanas, atribuídas a "forças" e potências sobrenaturais.

 À medida que o conhecimento religioso se voltou, também, para a explicação dos fenômenos da natureza e do caráter transcendental da morte, como fundamento de suas concepções, a verdade revestiu-se do caráter dogmático, baseada em revelações da divindade. É a tentativa de explicar os acontecimentos através de causas primeiras, os deuses, sendo o acesso dos homens ao conhecimento derivado da inspiração divina. O caráter sagrado das leis, da verdade, do conhecimento, como explicações sobre o homem e o universo, determina uma aceitação sem crítica dos mesmos, deslocando o foco das atenções para a explicação da natureza da divindade.

O conhecimento filosófico, por sua vez, parte para a investigação racional na tentativa de captar a essência imutável do real, através da compreensão da forma e das leis da natureza.

 O senso comum, aliado à explicação religiosa e ao conhecimento filosófico, orientou as preocupações do homem com o universo. Somente no século XVI é que se iniciou uma linha de pensamento que propunha encontrar um conhecimento embasado em maiores garantias, na procura do real. Não se buscam mais as causas absolutas ou a natureza íntima das coisas; ao contrário, procuram-se compreender as relações entre elas, assim como a explicaçào dos acontecimentos, através da observação científica, aliada ao raciocínio.

Da mesma forma que o conhecimento se desenvolveu, o método, a sistematização de atividades, também sofreu transformações. O pioneiro a tratar do assunto, no âmbito do conhecimento científico, foi Galileu Galilei, primeiro teórico do método experimental. discordando dos seguidores do filósofo Aristóteles, considera que o conhecimento da essência íntima das substâncias individuais deve ser substituído, como objetivo das investigações, pelo conhecimento das leis que presidem os fenômenos. As ciência, para Galileu, não têm, como principal foco de preocupações, a qualidade, mas as relações quantitativas. Seu método pode ser descrito como indução experimental, chegando-se a uma lei geral através de da observação de certo número de casos particulares. Os principais passos de seu método podem ser assim expostos: observação dos fenômenos; análise dos elementos constitutivos desses fenômenos, com a finalidade de estabelecer relações quantitativas entre eles; indução de certo número de hipóteses; verificação das hipóteses aventadas por intermédio de experiências; generalização do resultado das experiências para casos similares; confirmação das hipóteses, obtendo-se, a partir delas, leis gerais.

 Contemporâneo de Galileu, Francis Bacon também partiu da crítica a Aristóteles, por considerar que o processo de abstração e o silogismo (dedução formal que, partindo de duas proposições, denominadas premissas, delas retira uma terceira, nelas logicamente implicadas, chamada conclusão) não propiciam um conhecimento completo do universo. Parte do pressuposto de que o conhecimento científico é o único caminho seguro para a verdade dos fatos, devendo seguir os seguintes passos: experimentação; formulação de hipóteses; repetição; testagem das hipóteses, formulação de generalizações e leis.

 Ao lado de Galileu e Bacon, no mesmo século, surge Descartes. Com sua obra, Discurso do Método, afasta-se dos processos indutivos, originando o método dedutivo. Para ele, chega-se à certeza através da razão, princípio absoluto do conhecimento humano. Postula, então, quatro regras: evidência, que diz para não acolher jamais como verdadeira uma coisa que não se reconheça evidentemente como tal, isto é, evitar a precipitação e o preconceito e não incluir juízos, senão aquilo que se apresenta com tal clareza ao espírito que torne impossível a dúvida; análise, que consiste em dividir cada uma das dificuldades em tantas partes quantas necessárias para melhor resolvê-las, ou seja, o processo que permite a decomposição do todo em suas partes constitutivas, indo sempre do mais para o menos complexo; síntese, entendida como o processo que leva à reconstituição do todo, previamente decomposto pela análise, consistindo em conduzir ordenadamente os pensamentos, principiando com os objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, em seguida, pouco a pouco, até o conhecimento dos objetos que não se disponham, de forma natural, em seqüências de complexidade crescente; enumeração, que consiste em realizar sempre enumerações tão cuidadosas e revisões tão gerais que se possa ter certeza de nada haver omitido.

 Com o passar do tempo, muitas outras visões foram sendo incorporadas aos métodos existentes, fazendo com que surgissem também outros métodos, como veremos adiante. Antes, porém, cabe apresentar o conceito de mátodo moderno, independente do tipo. Para tal, será considerado que o método científico é a teoria da investigação e que esta alcança seus objetivos, de froma científica, quando cumpre ou se propõe a cumprir as seguintes etapas:

Descobrimento do problema - ou lacuna, num conjunto de acontecimentos. Se o problema não estiver enunciado com clareza, passa-se à etapa seguinte; se estiver, passa-se à subseqüente;

Colocação precisa do problema - ou ainda, a recolocação de um velho problema à luz de novos conhecimentos (empíricos ou teóricos, substantivos ou metodológicos);

Procura de conhecimentos ou instrumentos relevantes ao problema - ou seja, exame do conhecido para tentar resolver o problema;

Tentativa de solução do problema com auxílio dos meios identificados - se a tentativa resultar inútil, passa-se para a etapa seguinte, em caso contrário, à subseqüente;

Invenção de novas idéias - hipóteses, teorias ou técnicas ou produção de novos dados empíricos que rpometam resolver o problema;

Obtenção de uma solução - exata ou aproximada do problema, com o auxílio do instrumental conceitual ou empírico disponível;

Investigação das conseqüências da solução obtida - em se tratando de uma teoria, é a busca de prognósticos que possam ser feitos com seu auxílio. Em se tratando de novos dados, é o exame das conseqüências que possam ter para as teorias relevantes;

Prova ou comprovação da solução - confronto da solução com atotalidade das teorias e da informaçào empírica pertinente. Se o resultado é satisfatório, a pesquisa é dada como concluída, até novo aviso. Do contrário, passa-se para a etapa seguinte;

Correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados empregados na obtenção da solução incorreta - esse é, naturalmente, o começo de um novo ciclo de investigação.

Métodos específicos das Ciências Sociais

A maioria dos autores faz distinção entre "método"e "métodos", porém, se de um lado a diferença ainda não ficou clara, de outro, continua-se utilizando o termo "método" para tudo.

Como uma contribuição às tentativas de fazer distinção entre os dois termos, diríamos que o "método"se caracteriza por uma abordagem mais ampla, em um nível de abstração mais elevado, dos fenômenos da natureza e da sociedade. Assim, teríamos, em primeiro lugar, o método de abordagem assim discriminado:

Método Indutivo- cuja aproximação dos fenômenos caminha geralmente para planos cada vez mais abrangentes, indo das constatações mais particulares às leis e teorias (conexão ascendente);

Método Dedutivo - que, partindo das teorias e leis, na maioria das vezes predia a ocorrência dos fenômenos particulares (conexão descendente);

Método Hipotético-dedutivo - que se inicia por uma percepção de uma lacuna nos conhecimentos, acerca da qual formula hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela hipótese.

Método dialético - que penetra  o mundo dos fenômenos, através de sua ação recíproca, da contradição inerente ao fenômeno e da mudança dialética que ocorre na natureza e na sociedade.

Por sua vez, os "métodos de procedimento" seriam etapas mais concretas da investigação, com finalidade menos abstarta e mais restrita em termos de explicação geral dos fenômenos. Dir-se-ia até serem técnicas que, pelo uso mais abrangente, se erigiram em métodos. Pressupõem uma atitude concreta em relação ao fenômeno e estão limitadas a um domínio particular. São as que veremos a seguir, na área restrita das ciências sociais, em que gerlamente são utilizados vários, concomitantemente.

Método Histórico - consiste em investigar acontecimentos, processos e intituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje. Para melhor compreender o papel que atualmente desempenham na sociedade, remonta aos períodos de sua formação e de suas modificações;

Método Comparativo - é utilizado tanto para comparações de grupos no presente, no passado, ou entre os atuais e os do passado, quanto entre sociedades de iguais ou de diferentes estágios de desenvolvimento;

Método Monográfico - consiste no estudo de determinados indivíduos, profissões, instituições, condições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações;

Método Estatístico - significa a redução de fenômenos sociológicos, políticos, econ6omicos etc, em termos quantitativos. A manipulação estatística permite comprovar as relações dos fenômenos entre si, e obter generalizações sobre sua natureza, ocorrência ou significado;

Método Tipológico - apresenta certas semelhanças com o método comparativo. Ao comparar fenômenos sociais complexos, o pesquisador cria tipos ou modelos ideais (que não existam de fato na sociedade), construídos a partir da análise de aspectos essenciais do fenômeno;

Método Funcionalista -  é a rigor mais um método de interpretação do que de investigação. Estuda a sociedade do ponto de vista da função de suas unidades, isto é, como um sistema organizado de atividades;

Método Estruturalista - o método parte da investigação de um fenômeno concreto, eleva-se, a seguir, ao nível abstrato, por intermédio da construção de um modelo que represente o objeto de estudo, retomando por fim ao concreto, dessa vez como uma realidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social.

Bibliografia de Apoio

 BUNGE, Mario. Epistemologia: curso de atualização. São Paulo: T. A. Queiroz/EDUSP, 1980, capítulo 2.

 HEGENBERG, Leônidas. Explicações científicas: introdução à filosofia da ciência. São Paulo: E.P.U. EDUSP, 1973, segunda parte, capítulo 5.

 LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo: Editora Atlas, 1991.





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