segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Os Seis Darshanas ou Escolas de Filosofia da Índia - Revista Pandava - a sabedoria da Índia

Julho 12, 2021





O filósofo Nilakantha Sri Ram (1889-1973), explica que há uma diferença importante entre a filosofia na Índia e no Ocidente moderno e contemporâneo, que consiste no facto de os pensadores europeus enfrentaram sozinhos o mistério do Real. E ainda que o tenham feito sobre a base ou o método de uma ascese anterior, quiseram ver por si mesmos e, ainda, ser originais, saindo de caminhos pré-estabelecidos. Na Índia, por outro lado, estes caminhos aparecem traçados desde a literatura Védica, que se converte em axioma da sua busca. A sabedoria, inclusive, é como se determinasse seis eixos ou visões fundamentais com os quais se alinhar, e estes são, precisamente, os Seis Darshanas ou Escolas de Filosofia na Índia. Ainda que, talvez, se formos rigorosos, estas sejam as escolas ortodoxas e a palavra sânscrita que as designa, “Darshana”, venha de uma raiz etimológica que significa “visão”.

H.P.Blavatsky explica que estes são caminhos para o Real desde diferentes ângulos (as seis direções de um cubo) e que a sua coroa, síntese, raiz e explicação real seria encontrada no Atma Vidya ou Ciência do Ser, a Doutrina Secreta. Ou seja, que haviam surgido do santuário e do segredo do Conhecimento Iniciático e que, separando-se deste coração, estas Escolas de Filosofia forjadas e impulsionadas por Iniciados deste saber secreto (Gupta Vidya), tal como Platão, que a partir do saber egípcio elaborou uma doutrina que servisse durante milhares de anos que, ainda que sem alcançar os pontos mais altos dessa metafísica, a das Escolas de Mistérios, guiasse as almas sedentas de verdade.

O nome dos Seis Darshanas, como o dos Sete Sábios Gregos, é um nome genérico. E do mesmo modo que estes últimos incluíam, por vezes, estas ou aquelas personagens (ainda que Tales seja sempre referido, por exemplo), mas com o mesmo conceito, o da sabedoria milenar grega pré-socrática; os Seis Darshanas, por vezes incluem estas ou aquelas escolas e, sem aprofundar mais, inclusive a jaina e a budista foram ocasionalmente incluídas nelas.

No entanto, desde o período clássico já estão fixadas e não há qualquer variação. A Samkhya ou descritiva filosófica, a Nyaya ou escola lógica, a Vaisheshika ou atomista, a Yoga ou prática, a Mimamsa ou cerimonial e a Vedanta ou metafísica.

É difícil precisar a antiguidade dos Seis Darshanas. Desde Max Müller, os estudiosos ocidentais esforçaram-se por demonstrar que as gregas eram mais antigas, apesar das declarações dos mesmos especialistas brâmanes, pois, claro, o conquistador inglês ou europeu não podia ser culturalmente inferior ao povo submetido. Chegou-se a afirmar que o Ramayana estava baseado na Ilíada (H.P. Blavatsky diz que é exatamente o oposto) e que as Escolas de Filosofia da Índia eram uma cópia e adaptação das gregas, através das rotas abertas pelo Império e do ideal unificador de Alexandre Magno e tal como teria sucedido com a arte do gandhara ou greco-budista. A ideia de que a Filosofia não tinha nascido na Grécia era, naquele tempo, simplesmente inaceitável. Colebrook demonstrou, e muitos o fizeram depois, que a filosofia e estas Seis Darshanas são mais antigas que as gregas, embora os académicos só atribuam à filosofia Samkhya, presente na Bhagavadgita e nos Puranas, uma antiguidade superior a 550 a.C., e a Vedanta (com o texto dos Brahmasutras) entre os séculos III e V d.C. (!!! d.C.?).

Luz. Pixabay

Ao contrário de, por exemplo, os carvakas ou céticos materialistas, estas Seis Escolas são chamadas ortodoxas, não só porque respeitam a autoridade dos Vedas mas porque existem três afirmações que não se discutem, que são como axiomas matemáticos ou lógicos:

  1. A existência de um princípio Divino universal, seja Brahman como existência incondicionada, ou seja, Ishvara, o Senhor, como uma unidade criadora vibrante, ígnea, pura Vontade, Inteligência e Sabedoria. Deus, se o quisermos chamar de acordo com os nossos conceitos. Na filosofia samkhya chamam-lhe Purusha, que é o Espectador Silencioso do que sucede.
  1. A doutrina do Karma, a Lei de Ação e Reação, e a sua lógica consequência, a Reencarnação numa sucessão quase interminável de vidas até completar o ciclo em que Atman se funde com Brahman
  1. A Lei da Evolução. Tudo está em movimento para Brahman; a natureza transforma-se e as almas vão assumindo formas e veículos cada vez mais aptos para a sua luz espiritual e transcendência. O caminho do conhecimento e a cessação do erro permitem acelerar esta mesma evolução, pois a consciência, usando bem a mente, pode acelerar o tempo através da condensação das vivências. A filosofia vedanta não se adhiriu completamente a este fundamento.

Os que afirmam estes axiomas são chamados de astika, crentes, em oposição aos “incrédulos” (nastika) que também se interpretam como aqueles que aceitam que tudo o que está nos Vedas é certo. Ainda que o significado mais profundo, como no Islão ou no Cristianismo, de astika, crentes, seja aquele que sente e que conhece a realidade do significado da Vida, do Karma e da presença de Deus, para além de umas crenças ou outras.

Por vezes dividem-se em dois grupos: os de tendência prakrítica ou material (Naya, Vaisheshika e Purva Mimamsa) e os de tendência espiritual ou purushíaca (Samkhya, Yoga e Vedanta). Historicamente a Lógica (Naya) e a Atomista (Vaiseshika) unificaram-se até que designaram uma conceção do mundo certamente semelhante, embora não tão brutalmente materialista como a nossa ciência atual. A Yoga vinculou-se com a Samkhya, fazendo desta o fundamento filosófico das suas práticas de elevação da consciência. A Purva Mimamsa converteu-se no código cerimonial e ainda legal dos Vedas e da sociedade Hindu, e a Utara Mimamsa ou Vedanta, associada às Upanishads e à sua interpretação, a mais metafísica das Escolas, foi absorvendo com os séculos as outras, as quais usou como instrumentos. Esqueceram-se que a verdadeira coroa ou fundamento de todas estas Escolas era a Ciência Iniciática ou Atma Vidya, a mesma que havia permitido que os rishis lessem os hinos védicos na Mente Divina, como decretos da Alma da Natureza (e logo convertidos simplesmente numa religião, com as suas luzes e sombras).

O grande Vivekananda negou que estas Escolas fossem de “Filosofia” no sentido atual do termo, se não, em todo o caso, no sentido grego, com as suas práticas, o seu caminho de perfeccionismo moral e harmonia com a Natureza. Ou seja, não uma mente que mata a realidade, dividindo-a, mas uma consciência que abre caminho na mesma, ordenando-a como um diamante que permite a passagem da Luz, mesmo que em cada Escola os métodos sejam diferentes.

Todos estes Darshanas querem dissolver a ignorância e os seus efeitos de angústia e de dor, e alcançar a libertação, a união da alma individual (jivatma) com a universal (Brahman ou Paramatma). Mas a forma como, por exemplo, cada um concebe a ignorância é diferente. Para a escola Nyaya ou Lógica, a ignorância é simplesmente um falso conhecimento, uma conceção errónea das coisas; enquanto que para a escola do Samkhya, a ignorância é a ausência de discriminação (viveka) entre o real e o não-real; não saber separar o que é o quê; falta de visão para ver o detalhe e a importância. E para a escola Vedanta, a ignorância é avidya, ausência de compreensão, de realidade, uma ilusão que nos confunde.

ESCOLA SAMKHYA

O nome desta Escola significa “enumeração”, pois a chave é o conhecimento das 24 categorias do ser, a capacidade de discernir o número na Natureza, de sentir os “passos de Deus na matéria” ou as transformações da mesma ante o Espírito, espectador silencioso de toda esta evolução.

Os seus fundamentos já estão anunciados na Bhagavadgita, qualquer que seja a antiguidade desta obra, a mais filosófica da literatura hindu e núcleo do Mahabharata. Especialmente no capítulo do Campo e o Conhecedor do Campo, que esta Escola formula como Prakriti (Natureza, o aspeto objeto da existência, com os seus mil véus e formas) e Purusha (literalmente, “Homem” ou Eu Universal, o aspeto sujeito da Realidade); e que são apresentados como um cego (Prakriti, que faz, mas que não vê ou sabe) e um coxo (Purusha, que vê e sabe, mas não faz). Colebrook disse, sobre esta filosofia, que era uma escola de psicologia subtil, pois descreve a descida do Espírito na matéria ativando as suas três gunas ou qualidades – rajas (excesso), tamas (defeito) e sattva (justo meio) – e mergulhando nela em 24 passos ou tattvas, desde o mais subtil (mahat) e a consciência do Eu (ahamkara), até aos 5 órgãos de ação, aos 5 de perceção ou sentidos, aos 5 elementos subtis e aos 5 grosseiros (Éter, Ar, Fogo, Água e Terra).

Assim, Prakriti, que é a Natureza ideal, pura e perfeita na presença do Espírito (Purusha), “dançando” diante do seu olhar, vai do estado mais não-manifestado ao manifestado (Mahat, Mente Divina, um conceito semelhante ao egípcio do Maat, a Ordem-Verdade-Justiça, também filha de Rá) e gradualmente condensa e gera todos os seus produtos evolucionários.

Purusha, como uma luz espiritual ou “espectador silencioso” é aquele que permite que tudo seja feito; sem o qual nada pode ser feito e, porém, é aquele que nada faz; como o centro de uma roda que não avança sobre o caminho e nem o toca, mas sem o qual esta não é uma roda.

O tratado que fundamenta esta filosofia é o Samkhya Karika, com 72 slokas (versos) ou Sutras (máximas de sabedoria altamente condensada), atribuídas a Kapila, com ensinamentos tão sublimes como:

“O Deus Supremo é moksa (liberdade pura), que consiste na impossibilidade permanente de ser afetado pela dor… A realização do Ser como Ser, puro e simples.”

“Assim como o leite inconsciente serve ao benefício de nutrir o bezerro, Prakriti serve ao benefício da liberdade do espírito.”

ESCOLA YOGA

Êxtase. Pixabay

É a Escola que explica o que devemos fazer para garantir que a consciência seja raptada num êxtase em direção ao divino, que se submerja no infinito, na liberdade plena e incondicionada. Indica o Caminho a percorrer numa crescente sintonia ou união com o coração do Real, pelo que é uma filosofia prática por excelência e apoia-se na cosmovisão do mundo ensinada pela Escola Samkhya. É a disciplina da mente para eliminar os vritris, obscurecimentos ou ondulações dessa mente e que originam a ignorância; e fazer com que a consciência, como a flor de lótus, saia da lama material, cresça entre as correntes psíquicas e abra as suas pétalas à Luz-Espírito. Num sentido um pouco específico, poderíamos falar sobre as práticas psico-espirituais que fazem com que a mente fique em perfeita calma e adquira poder sobre a natureza, despertando, com o poder da alma, os siddhis da perfeição, que geralmente aparecem associados ao número 8, como os próprios estados ou “meios de adquirir o Yoga”(Yogangas).  

A doutrina desta Escola reside nos Yogasutras de Patanjali, um texto verdadeiramente misterioso e cuja interpretação real e secreta só pode ser dada por um Iniciado e a quem seja merecedor dela. Sem este ensinamento secreto, é simplesmente uma obra de interesse filosófico e literário, mas não o verdadeiro caminho do Poder que proclama.

Estas 8 yogangas são passos para chegar à União (samadhi):

1- Yama: Morte e dissolução, austeridade, como a “obra ao negro” da Alquimia. E como os votos tradicionais do estudante em todas as épocas e civilizações, isto é, pobreza, castidade e obediência absoluta. Seria do interesse ensinar isto a todos os que dizem que praticam “yoga”, pois talvez não seja este o mesmo que se ensinava tradicionalmente nesta Escola. Os cinco yamas, ou “mortes”, são a não-violência sobre qualquer ser vivo (ahimsa), honestidade e não-falsidade (satya), não roubar (asteya), nem tempo, nem energianem inspiração, nem nada; o voto de castidade (brahmacharya) e a ausência de ganância e possessividade, do sentimento do que é meu e que os outros não podem e não devem possuir (aparigraha).

2- Niyama: Regras morais, conduta justa, observância e hábitos virtuosos. Os cinco niyamas são pureza da mente, palavra e corpo (shauca); contentamento (santosha), aceitação dos outros, das circunstâncias por mais difíceis e limitantes que possam ser, pois como disse H.P.B., “o contentamento é a porta pela qual entra o Redentor”; o fogo da austeridade e o sacrifício, que tudo faz arder (tapas); o estudo e meditação (svadhyaya), de si mesmo, dos Vedas ou da sabedoria na natureza; e a contemplação ou sentimento da Presença de Deus (Ishvarapranida).

3- Asanas (posições): Deve haver, evidentemente, uma série de posições corporais que permitam a canalização de energias e que se convertem, usando a linguagem das formas geométricas e naturais, em símbolos poderosos que evocam Ideias e poderes arquetípicos necessários para que a consciência avance no Caminho. Mas talvez o seu significado esotérico tenha mais que ver com as formas mentais que a Alma assume na vida, qual é a atitude em cada momento da vida que requer uma certa posição de nós e não outra. Formas áureas de receber o vento da vida e enfrentar as dificuldades ou situações nela. Uma ciência das atitudes, uma espécie de “regras de cortesia das almas”. Aquilo que pensamos de nós mesmos é também, se for em harmonia, um asana, ou posição interior, a forma que permite ao barco da nossa existência avançar nas águas da matéria (em todos os planos).

4- Pranayama, a ciência da respiração. Que não é apenas a circulação do ar, mas também da energia. E podemos falar sobre respirar num sentido amplo, como tudo o que chega ao nosso ser interior e se transforma e nos entrega o seu segredo, a sua verdade, e que devemos transmutar. Como diria o místico Atisha, com outras palavras, a mais reta respiração é “tragar o amargo e cuspir o doce” (segundo a conhecida metáfora do Professor Jorge Angel Livraga).  

5- Pratyehara, o controlo total sobre os sentidos e o seu domínio. Os sentidos já não podem arrastar a mente, não há reação nela. A mão no fogo não o sente se não se quiser. O estado dos mártires que cantavam de felicidade e alegria, sendo torturados. 

E só a partir deste estado “se pode ouvir a Voz do Silêncio”, e estão os degraus que conduzem a mente à Luz Espiritual, os três últimos chamados também de samyana (atadura ou selo).

6- Dharana: Estado de intensa concentração num objeto interno, que permite o acesso ao sagrado e abre as portas do verdadeiro poder criador. Dharana é a semente da verdadeira meditação, que com ela cresce e floresce em samadhi.  

7- Dhyana: Traduz-se como meditação, mas devia ser “absorção meditativa”, pois a mente entra na ideia, o raio ou fluxo ininterrupto da intuição, faz com que o conhecedor e o objeto do conhecimento se unam, até que conduza ao estado seguinte que é

8- Samadhi: A mente funde-se de forma definitiva (nirvana) ou temporal com o Todo, com o incondicionado e o eterno. É o êxtase dos verdadeiros místicos ou epopteia (êxtase divino) que descreve a filosofia grega.

ESCOLA NYAYA

A palavra nyaya significa, em sânscrito, «método», «regras», «justiça», «julgamento». É atribuída a Askapada Gautama, a base documental desta Escola, com as suas Nyaya Sutras que alguns estudiosos atribuem ao século VI a.C.

Pensamento. Pixabay

É a Escola Lógica e que melhor expõe um método e uma teoria do conhecimento. Está muito unida com a Vaisheshika ou atomista que apresenta uma conceção material do universo. Ambas seriam a res extensa e a res cogitans da filosofia cartesiana, mas com um grau de subtileza e benefício para a alma infinitamente superior. O seu método lógico será usado com variações por todas as outras darshanas, dada a sua solidez. Pergunta-se como conhecemos o que conhecemos, quais são as fontes do reto conhecimento, como podemos saber que algo é certo. Estas são as chamadas pramanas e cada Escola reconhece umas ou outras, apesar de todas coincidirem com as básicas. A Nyaya reconhece quatro fundamentais.

Sabemos então que algo é certo por:

1 – Pratyasha: porque o vemos, ouvimos, gostamos, cheiramos, tocamos, ou seja, pela experiência sensorial. Tal como Aristóteles define a empireia (experiência) como o primeiro grau e base do conhecimento. «A cognição não é errada devido ao contacto dos sentidos com os objetos da perceção» como descreve Gautama.

2 – Anumana: por ilação lógica, por raciocínio, por dedução. Anumana pode ser de três tipos (se infere um efeito desconhecido a partir de uma causa conhecida, ou uma causa desconhecida a partir do efeito conhecido, ou por uniformidade de coexistência (samanyatodrishta) o que se pode chamar «causa vertical» no sentido eterno e arquetípico que dá o filósofo Espinoza.

3 – Upamana: por comparação, por analogia, «por semelhança com outra que nos é familiar» (segundo descrevem os Nyayasutra), uma forma de conhecimento que o Ocidente, com o seu princípio do terceiro excluído, quase fez desaparecer. Recordemos H.P. Blavatsky quando afirma que a analogia é a chave que nos permite abrir as portas da Natureza e a sublime máxima hermética «Como é em cima é em baixo». Upamana pode ser uma perceção direta – como quando se diz que «a cara de tal criança brilha com o encanto da lua» ou que «as palavras eram afiadas como facas» – o a posteriori do raciocínio.

4 – Sabda: testemunho fiel do presente ou do passado, seja através de alguém que nos oferece total confiança; ou os textos sagrados, como os Vedas, ou os ensinamentos do Mestre. Assim, o conhecimento partilhado permite enriquecer as nossas vidas e construir uma tradição e uma aquisição de saberes que de outro modo seria impossível, e que é a base de uma cultura.

Uma causa é definida como um antecedente incondicional e invariável de um efeito; e um efeito, uma consequência incondicional e invariável de uma causa. A mesma causa produz sempre o mesmo efeito e o mesmo efeito é sempre precedido e produzido pela mesma causa. A causa não está presente em nenhuma forma oculta no efeito.

A Escola Nyaya, ao contrário de Aristóteles, só reconhece três tipos de causas: a inerente ou material (o fio que forma um tecido) a não inerente (a cor do fio que forma o tecido) e a causa eficiente (que foi o tecelão) que estão associadas diretamente com a substância (dravya), a qualidade (guna) e a ação (karma).

ESCOLA VAISHESHIKA OU ATOMISTA 

Escola muito semelhante à grega de Demócrito e é difícil precisar se é anterior ou posterior a ela. Toda a realidade consiste em átomos, “vishesha” em sânscrito, que se traduz como “particularidade” ou “diferença” e que definem os primeiros blocos de tudo o que existe e causa de todos os processos da natureza, com as suas combinações e recombinações. Kanada seria o sábio criador desta Escola, o compilador do seu texto original, os Vaisheshikasutras e, muito mais tarde, no século V ou VI da nossa Era, Prashastapada elaboraria um comentário dos mesmos no qual este Darshana assume uma forma já definitiva.

Átomo. Pixabay

É uma escola realista, pois tudo o que percebemos existe, e ainda as almas imortais não são diferentes dos átomos materiais que compõem todo o real e que expressam as suas naturezas; pluralista, pois a base da realidade é múltipla; e, contudo, não é materialista, pois reconhece a existência de Deus, a natureza não material das almas e o vínculo invisível que une a causa ao efeito.

Tudo se pode dividir em partes até chegar no final à unidade mínima, paramanu e, no entanto, tudo o que existe, com o seu nome e forma própria é uma realidade independentemente dos átomos que o formam. Que seja inerente aos átomos e um efeito dos mesmos não invalida a sua realidade independente. Por exemplo, hoje diríamos isto da natureza da água independentemente do Hidrogénio e do Oxigénio que a formam, com as suas qualidades e natureza próprias. Uma jarra está feita de átomos, mas existe realmente como jarra e é a expressão de uma jarra-ideia de cujo conjunto forma parte. O que nos leva facilmente à teoria dos arquétipos de Platão.

Toda a matéria física procede de quatro tipos diferentes de átomos ou substâncias elementares (mahabhutas) – Terra, Água, Ar e Fogo – a que se deve acrescentar a substância também atómica da Mente e quatro substâncias não atómicas: Éter (associado ao som como qualidade), Espaço, Tempo e os Eus.

O conhecimento ou a consciência é a natureza do Ser (do mesmo modo que Maat é filha de Rá no Egipto) e não independente deste, mas tem que ser conhecimento de um objeto, não em si mesmo. Geometricamente, diríamos, é a relação entre centro, raio e circunferência. 

O erro, que é considerado como uma dúvida e surge sempre da ignorância, de um modo ou de outro, acontece por confundir-se um objeto novo com outro visto anteriormente. Deve-se também às imperfeições da observação ou à imperfeição da nossa memória que se converte num atributo de fidelidade ao que somos e conhecemos.

Terra, Água, Ar e Fogo. Pixabay

Kanada1 reconhece 7 Categorias do Real (padarthas), 3 percetíveis e 4 que se podem deduzir. Todas elas são existentes, compreensíveis (diretamente ou por inferência) e nomeáveis. É fácil estabelecer uma relação com a Constituição Septenária da Natureza divulgada por Helena Petrovna Blavatsky.

1-Substância (dravya): Elementares (Terra, Água, Ar e Fogo) e não elementares (Éter, Tempo, Espaço, Alma e Mente) 

2-Qualidade (guna): Universais (tendência, peso, distância, proximidade, conjunção ou contacto, disjunção ou separação, distinção, tamanho, número, fluidez) e Particulares (tato, olfato, gosto, cor, som, mérito, demérito, desejo, aversão, esforço, conhecimento – buddhi – prazer, dor, viscosidade…)

3-Actividade (karma): para cima, para baixo, contração, expansão, horizontal.

4-Universalidade/Generalidade (samanya): a mais elevada, a existência; e a inferior, que seriam os 7 padarthas ou categorias.

5-Particularidade (vishesha)  

6-Inerência (samavaya)

7-Não-existência (abhava)

As três primeiras categorias de substância, qualidade e atividade formam o mundo sujeito à impermanência, à causa e efeito, ao individual e ao geral e, apesar da sua finitude, têm uma existência e realidade dada. As quatro seguintes são independentes, eternas e não causais. O seu conhecimento é inferido ou por intuição ou por análise lógica, mas nunca empíricas.

PURVA MIMAMSA

É a Escola Mimamsa antiga, para a diferenciar da nova, que é a Vedanta.

A palavra “mimamsa” significa “pesquisa”, da raiz sânscrita man, “pensar, examinar, meditar”. Embora neste caso a pedra angular deste sistema sejam os próprios Vedas, o objeto real da sua compreensão. Esta Escola baseia-se nos hinos mais antigos e propõe-se dar regras para a sua interpretação. Ritualista na natureza, pôs de lado a metafísica e a especulação filosófica e dada a importância, para eles, de “texto sagrado” ou revelado (sruti) dedicam esforços à teoria do conhecimento e à epistemologia.

Ao contrário das outras, esta Escola como tal já desapareceu na Índia e, paradoxalmente, é a mais presente de todas, porque foi inserida no seu ritual, no dia-a-dia e no próprio sistema legal. As leis civis devem-se muito à análise do Mimamsa sobre como os deveres védicos devem ser executados e até mesmo a sua explicação racional.

Esta escola também é chamada de Dharma Mimamsa porque investiga a verdade dos Vedas como o Dharma; e Karma Mimamsa pela ênfase na sua ação ritual.

Meditar. Pixabay

Foi-lhe dada uma antiguidade de até 1000 a.C. devido à necessidade de exegese dos hinos védicos. Embora tenha adquirido maior importância, como uma reação à filosofia budista e jainista, com vista a reforçar a identidade bramânica e o seu código de direitos e deveres, uma vez que para muitos estas doutrinas heréticas eram ventos dissolventes do ascetismo irresponsável e contrário à própria estrutura da sociedade.

O texto base desta Escola são os Mimamsasutras, com os seus 2700 aforismos compilados por Jaimini e é também de grande importância o comentário a eles elaborado feito por Sabara, o Sabarabhasya, que deu a esta Escola um carácter mais filosófico-especulativo, acredita-se que por volta do século I antes da nossa Era.

Já desde o primeiro capítulo, Jaimini diz-nos que o seu propósito é investigar a natureza do dharma, a sua causa, determinar o que é conhecimento válido e certificar a validade do conhecimento nos Vedas. Depois, nos seguintes, é claro que o foco dos seus ensinamentos é a ação ritual, quem a deve realizar, as razões da mesma, a sua sequência e a relação entre as diferentes ações rituais.

Ao contrário das outras Escolas de Filosofia, e uma vez que os Vedas são eternos, eles rejeitam os ciclos de nascimento, vida e consumação do Universo, tão caros para o pensamento hindu. E para certificar a validade dos Vedas, tem que fazê-lo com a validade do conhecimento e a natureza eterna das palavras e seus significados. Ou seja, da linguagem Védica e a sua sintaxe como um pensamento divino, sem princípio nem fim.

Nos Vedas, as ordens ou afirmações (vidhi) do que se deve fazer e evitar formam a base do Dharma e o estrito cumprimento deles é o caminho da libertação.

Jaimini ensina, nos seus aforismos, que todas as coisas, textos, palavras e ações têm seu próprio dharma particular dentro do ritual védico.

E mais especificamente diz que o Dharma: “Indica a descrição funcional de um elemento de sacrifício. Conhecer o dharma de um elemento é saber o que esse elemento faz, do que é feito, do que está relacionado, quando aparece em sacrifício e quando o abandona.” O Dharma é alheio à perceção dos sentidos e só irradia dos Vedas; é também a inter-relação dos elementos do ritual e os seus efeitos necessários.

adharma vem do esquecimento das obrigações dos Vedas e torna-se necessariamente uma causa de sofrimento. Os diferentes meios de conhecimento (pramanas) por si só não permitem conhecer o Dharma, apenas a indesculpável autoridade dos Vedas o permite.

A sua filosofia é pluralista e realista, os seres e fenómenos do mundo existem independentemente, assim como as suas almas imortais, não existe deus absoluto e único ou qualquer coisa que estabeleça a unidade de todos estes seres. O que sabemos é real, porque isso é evidente, diz Kumarila, como é evidente que as imagens dos sonhos não são, não faz sentido discutir este assunto. Este mesmo filósofo vem identificar os Vedas com o próprio Brahman. Tudo no universo é submetido ao ciclo do samsara – nascimento, vida e morte – mas o universo em si mesmo não, mas é permanente, eterno e auto-existente, uma imagem muito semelhante à divulgada por Giordano Bruno no seu Universo Infinito… As forças que tecem a realidade são o dharma e o adharma, e os próprios deuses movem-se para segundo plano, pois embora as cerimónias lhes sejam dedicadas, eles não querem promovê-las, pois o importante é a própria ação ritual, o dever védico. O sacrifício ritual é o meio, o céu a finalidade, que não é identificado com a libertação nem a cessação do ser. Na verdade, entre os ideais védicos: dharma (retidão), kama (prazer), artha (riqueza) e moksha (liberação), eles não consideram o último. Só a ação leva ao céu, não o conhecimento, e quando os efeitos dessa ação se esgotam é necessário renascer, num ciclo sem fim, como ensina o primeiro Mimamsa. Posteriormente, a libertação (moksha) já introduzida, quando os resíduos kármicos estão esgotados e não é necessário purificar-se com um novo corpo, a alma é deixada num estado de consciência feliz e puro (de acordo com Kumarila) ou de perfeita realidade inconsciente, ser puro (Prabhakara), pois já não experimenta nada.

ESCOLA VEDANTA

Mundo Divino. Pixabay

É a escola metafísica por excelência. Vedanta significa literalmente “fim dos Vedas”, ou seja, a doutrina que guarda a essência e finalidade dos mesmos. Também se chama Uttara Mimamsa ou “nova Mimamsa” para diferenciar da antiga que tinha ficado prisioneira dos rituais, sem perceber, dizem, que são desnecessários, que todas estas operações se verificam na alma humana através da meditação.

Os seus textos fundamentais, também chamados de “Três Fontes” (Prasthanatrayi) são as Upanishads (a excelência metafísica dos Vedas), os Brahma Sutras (também chamados de Vedanta Sutras, pois é propriamente o livro da dita Escola, especialmente com os comentários de Shankaracharya) e a Bhagavadgita.

Os Brahmasutras são 555 aforismos reunidos em 4 capítulos, tão sintéticos como misteriosos, atribuídos ao sábio Badarana, em que se formula a existência humana e do universo, de Brahman ou Realidade Absoluta, assim como o caminho até Ela, fundamentado no conhecimento do Ser, que seria a necessidade mais importante da alma humana, e este conhecimento deve ser procurado nas Upanishads. Nestes textos a chave é o vínculo e a fusão entre o Eu individual (Atman) e Brahman, e toda a busca espiritual tem este objetivo. Brahman pode ser sem atributos (nirguna) ou com eles (saguna), e assim se converte em Ishvara, o Logos criador. É a diferença que se estuda em Matemática Sagrada entre o Uno sem Segundo (simbolizado pelo zero matemático) e o Uno ilusório (a aranha que tece a rede do universo, segundo estas mesmas Upanishads). Brahman é o eterno substrato, causa material e instrumental de toda a existência. O ser (jivatma) é agente dos seus próprios atos e recetor das consequências dos mesmos, segundo a lei do Karma, que é também a razão da reencarnação. Estes dois (Brahman e Jivatma), juntamente com Prakriti (o mundo em constante transformação) são as três categorias metafísicas. Brahman está separado de Jivatma pelo véu de Maya, o poder de criação na natureza e que faz com que a alma sucumba à ilusão e à separatividade no que respeita à sua Divina fonte.

Ensinam que o efeito é pré-existente na causa (satkaryavada) e que a alma (atman) está coberta por uma série de 5 invólucros que permitem manifestar-se objetivamente na matéria, mas que o separa da realidade: é a doutrina dos 5 Kochas, que é exposta na Taitiriya Upanishad:

1 – Annamaya Kosha, o corpo físico, que necessita de alimento (anna);

2 – Pranamaya Kosha, o corpo vital (prana), que une o corpo à mente e percebe-se na respiração;

3 – Manomaya kosha, o corpo mental, onde residem os 5 órgãos de perceção e a mente que os sintetiza e justifica. Aqui reside a memória e o sentimento da própria individualidade egoísta (ahamkara);

4 – Vijnanamaya Kosha, o corpo de discernimento e inteligência (buddhi), onde reside a sabedoria e a faculdade de discernimento;

5 – Anandamaya kosha, o corpo da felicidade, aquele que nos permite vagar na eternidade do Ser.

Estas 6 dimensões do espaço do conhecimento, cada uma com um ângulo ou visão (darshan) estariam, como dissemos sintetizados e encontrariam a sua raiz na Doutrina Secreta o Atma Vidya, que é aquela que se ensinava nas Escolas de Mistérios e permitiria a plena e justa compreensão das mesmas, assim como estabelecer pontes entre uns ensinamentos e outros.

Detrás dos diferentes véus que a cobrem está sempre a unidade, cuja luz ou irradiação é a base de tudo quanto existe, neste e em qualquer mundo.

Notas:
1 –  Sigo aqui, de muito perto, o excelente tratado sobre os Seis Darshanas de Jeaneane Fowler, “Perspectives of Reality”.


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