domingo, 15 de setembro de 2024

A essência do conhecimento védico - Chandramukha Swami

Os Vedas são a fonte original de todo e qualquer conhecimento e sua origem é transcendental. Desse modo, não há ramo de conhecimento material ou espiritual que não esteja contido nos textos védicos originais. O conhecimento de uma pessoa sob a influência da energia material está sempre sujeito a quatro tipos de defeitos: sua mente e intelecto têm a forte tendência de se iludir, seu comportamento está sempre manchado de erros, seus sentidos de percepção são defeituosos e limitados e, para satisfazer seus interesses pessoais, ela é capaz de enganar as outras pessoas. Na verdade, é comum que uma pessoa na plataforma material manifeste um ou mais destes defeitos de uma só vez. No entanto, devemos compreender que o conhecimento védico não possui nenhum destes defeitos, pois foi transmitido pela Pessoa Suprema – uma fonte completamente transcendental. O receptor original deste conhecimento foi o primeiro ser vivo, o Senhor Brahmā, o qual existiu antes mesmo da criação material. Brahmājī foi dotado de poder pelo Senhor para criar este mundo com o propósito de dar uma nova oportunidade às almas condicionadas que não alcançaram a liberação na criação anterior. Depois de cumprir esta missão, Brahmā transmitiu este conhecimento védico ao sábio Nārada que, por sua vez, o transmitiu a seu discípulo Vyāsadeva que, com o propósito de preservá-lo, registrou-o na forma literária.

Uma vez que os Vedas têm como propósito último fornecer conhecimento sobre a autorrealização espiritual, os seus temas são compreendidos apenas por pessoas com excepcionais qualidades de bondade, e não podem compreendê-los as pessoas sob a influência da paixão e da ignorância. Por este motivo, no início da era de Kali, o grande sábio Vyāsa dividiu os Vedas em vários ramos, tornando-os acessíveis às pessoas menos inteligentes, situadas na paixão e na ignorância. Especialmente, o sábio Vyāsa preparou o Mahābhārata, uma compilação admirável repleta de histórias que prendem a atenção de qualquer tipo de pessoa, e, dentro do Mahābhārata, incluiu a essência do conhecimento védico na forma da Bhagavad-gītā. A realidade é que as pessoas comuns se interessam muito mais por histórias fascinantes do que por filosofia profunda. Assim, Vyāsadeva compôs o Mahābhārata, e prendeu a atenção dos leitores menos inteligentes com a incrível história da disputa pelo trono entre as dinastias Kaurava e Pāndava. O interessante é que no momento mais crítico da história, exatamente quando a Batalha de Kurukṣetra está por começar, Kṛṣṇa entra em cena e transmite Sua mensagem maravilhosa, ou seja, a Bhagavad-gītā. Na verdade, toda a trama política e envolvente do Mahābhārata não passa de um arranjo divino para prender a atenção dos leitores para que Kṛṣṇa possa derramar um oceano infinito de instruções sublimes sob a forma da Bhagavad-gītā, o resumo da verdadeira essência dos Vedas.

As próprias escrituras védicas não se cansam de glorificar as qualidades singulares da Bhagavad-gītā. Isto porque a Bhagavad-gītā emanou diretamente da boca da maior autoridade em conhecimento, Kṛṣṇa, o qual é glorificado em todos os Vedas como Mahāprabhu, “o Mestre Supremo”, e Puruṣottama, “a Personalidade Suprema”. Devemos ser entusiastas em estudar a Bhagavad-gītā e compreender que ele é a manifestação da ilimitada bondade do Senhor, que, em apenas setecentos versos, apresentou toda a essência do conhecimento contido em todos os Vedas.

Nesta era atual, as pessoas têm uma curta duração de vida e não são muito entusiastas e qualificadas para estudar a imensidão de textos védicos, tais como os Purāṇas, as Upaniṣads, o Vedānta-sūtra etc. Portanto, por estudar simplesmente a Bhagavad-gītā, qualquer indivíduo poderá se elevar ao estado de sabedoria e iluminação transcendental. Isso porque, assim como toda literatura védica, o conhecimento apresentado na Gītā é eterno e imaculado e se destina ao homem fiel que tem o desejo sincero de compreender o tema de como se livrar das garras da existência material e alcançar uma existência eterna e plena de felicidade. A Bhagavad-gītā é considerada o primeiro livro de valores espirituais. Sua função é credenciar seu estudante e prepará-lo para iniciar seu estudo da filosofia Vedānta para, finalmente, ingressar ao bhakti-yoga, ou seja, serviço devocional amoroso ao Senhor.

Segundo os Vedas, o cosmos material se manifesta em ciclos de quatro eras: Satya, Tretā, Dvāpara e Kali. A era de Satya é caracterizada pelas boas virtudes e todos os seres humanos que vivem na Terra são repletos de qualidades divinas. Na era de Tretā, há um declínio das virtudes e a Terra passa a abrigar ao mesmo tempo seres divinos e seres demoníacos. Na era de Dvāpara, o aumento da irreligião e da impiedade se acentua e o divino e o demoníaco passam a viver na mesma família. Finalmente, na era de Kali, ou era das trevas, há um predomínio total de irreligião, hipocrisia e desavenças, e a natureza divina e demoníaca habitam lado a lado no mesmo corpo.

Desse modo, foi há cinco mil anos, entre o final da era de Dvāpara e o começo da era de Kali, que a Pessoa Suprema, Bhagavān Kṛṣṇa, veio à Terra e transmitiu para Arjuna este conhecimento sublime da Bhagavad-gītā, removendo, assim, todas as suas dúvidas, ansiedades e lamentações. O cenário da Bhagavad-gītā foi o campo sagrado de Kurukṣetra, minutos antes da batalha mais violenta já registrada pela história dos últimos tempos. Naquela época, a Terra e seus habitantes estavam sendo atormentados pela influência perturbadora de indivíduos materialistas e cobiçosos e, como é confirmado no Capítulo Quatro da própria Bhagavad-gītā, em tais situações, o próprio Kṛṣṇa sempre desce a este ou qualquer outro planeta para eliminar os elementos indesejáveis e proteger diretamente as pessoas piedosas.

Sendo um companheiro eterno de Kṛṣṇa, o guerreiro Arjuna está sempre livre de qualquer classe de ilusão. Entretanto, ele foi colocado em ilusão pessoalmente por Kṛṣṇa, que desejava transmitir os ensinamentos da Bhagavad-gītā para as futuras gerações. Desse modo, representando o papel de uma pessoa absorta em sofrimento material, Arjuna pôde formular perguntas relevantes sobre os verdadeiros problemas da vida.

Devemos entender que Arjuna está representando a nossa posição, pois, quer compreendamos ou não, na existência material convivemos frequentemente com ansiedades e temores. Portanto, temos de primeiramente seguir o exemplo de Arjuna que admitiu sua incapacidade de, sozinho, solucionar os problemas que surgiram diante dele no Campo de Batalha de Kurukṣetra. Depois disso, temos de aceitar o abrigo de Kṛṣṇa e seguir Suas instruções divinas, independentemente do nível de educação ou inteligência que possamos ter. A realidade é que não temos a capacidade de encontrarmos as devidas soluções para os problemas que surgem na vida, pois, em nossa vida prática, é como se estivéssemos no Campo de Kurukṣetra, onde a batalha entre o bem e o mal acontece a todo momento. Arjuna mostrou-nos que, se quisermos vencer esta grande batalha interna, temos de nos armar com o conhecimento transcendental da Bhagavad-gītā, o qual não foi destinado apenas ao guerreiro. Na realidade, tais instruções sublimes não se aplicam apenas àquele momento ou lugar específico, mas servem para todos os tipos de pessoas, em todas as épocas e lugares. Isso significa que, ainda hoje, se uma pessoa for inteligente o bastante para compreender a Bhagavad-gītā do mesmo modo que Arjuna o compreendeu, ela será tão beneficiada como Arjuna, o qual estava na presença pessoal de Kṛṣṇa.

Faz parte do conhecimento transcendental compreender que, uma vez que Kṛṣṇa é absoluto, não existe diferença entre Ele e Suas instruções. Materialmente falando, a associação entre uma pessoa e outra depende do contato pessoal físico, mas na plataforma espiritual a situação é diferente. Na verdade, Kṛṣṇa transmitiu estes ensinamentos sublimes, os quais foram registrados pelo grande sábio Vyāsadeva, para que sempre tenhamos a oportunidade de estar recebendo instruções de Kṛṣṇa mesmo que Ele esteja fora de nossa visão material. Por si sós, nossos sentidos materiais limitados nunca nos darão acesso à compreensão do Senhor ilimitado. Entretanto, justamente por ser ilimitado, o Senhor Kṛṣṇa pode Se revelar mesmo àqueles que possuem sentidos limitados, pois, caso Ele não pudesse, Ele também seria limitado como um de nós. Kṛṣṇa possui poderes inconcebíveis. Desse modo, sendo uma das Suas energias, a energia material pode ser espiritualizada pelo Seu desejo transcendental. Desse modo, a representação de uma escritura como a Bhagavad-gītā é Sua representação sonora autêntica e é especialmente destinada à percepção sensorial que possuímos neste momento.

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