EMOÇÕES
O carismático bacharel em psicologia e estudante de direito Theodore Bundy, mais conhecido como Ted Bundy, foi um famoso serial killer americano, que matou dezenas de mulheres jovens na década de 1970. Enquanto era julgado, Ted não demonstrou sentir culpa (pelos seus atos), vergonha (por ter sido pego), medo (pela então provável condenação à morte), tristeza (pela ausência de liberdade) ou raiva (pela injustiça que estava sofrendo – conforme alegado por ele durante seu julgamento). Ele parecia animado, orgulhoso e, até mesmo, feliz. Estes comportamentos não passaram despercebidos pelas pessoas que acompanhavam o julgamento.
As emoções são tão importantes no nosso dia-a-dia, que qualquer inadequação nas reações emocionais é percebida por todos. Não precisa ser um especialista, as expressões emocionais indevidas são evidentes mesmo para pessoas leigas. A expressão correta das emoções é tão importante para uma interação social bem-sucedida, que as utilizamos como uma das principais formas de comunicação não-verbal. Mas, não é só para a comunicação que as emoções são importantes, as reações emocionais são imprescindíveis para a sobrevivência a um ambiente perigoso (medo), ameaçador (raiva) ou infectado (nojo), dentre outros.
As definições de emoção são amplamente debatidas, mas nenhuma delas é aceita de forma unânime pelos cientistas que trabalham na área. A série de adjetivos que usamos no nosso dia-a-dia para nos referirmos às nossas emoções e às dos outros (feliz, triste, depressivo, medroso, ansioso, bem-humorado, irritado, alegre etc.) não diz respeito apenas a “emoções”, para alguns autores. As emoções, juntamente com os humores, compõem uma categoria mais ampla: os afetos. Afetos são fenômenos complexos que influenciam o nosso comportamento e interações sociais, englobando as emoções, motivações, sentimentos e humores. Os afetos são estados provocados por múltiplos fatores, com grande influência subjetiva, que não são fáceis de mensurar/registrar através de métodos objetivos. Tais dificuldades inerentes a este campo de estudo afastam pesquisadores interessados no tema e tornam o progresso na área mais lento. No entanto, nas últimas décadas, com o avanço de técnicas psicofisiológicas e de neuroimagem, o estudo das emoções tem se revitalizado e encontra na neurociência uma abordagem norteadora para testar hipóteses que a muito tempo são discutidas por cientistas e filósofos.
O objetivo deste texto é resumir brevemente o passado, o presente e o “futuro” do estudo científico das emoções. Mas, antes disto, algo ainda mais básico precisa ser esclarecido…
O que são Emoções?
As emoções podem ser definidas como tendências para ações, as quais produzem uma cascata de mudanças fisiológicas (sincronizadas) em resposta a algum “gatilho” – seja uma pessoa, um objeto ou um evento. Isto é, as emoções são geradas com a ocorrência de um estímulo relevante para o organismo, preparando tendências de reações comportamentais automatizadas. Assim, muitas das definições de emoções levam em consideração três características fundamentais: I) tendências de ação; II) reações fisiológicas; e III) experiência subjetiva.
Conforme dito anteriormente, as emoções diferem dos humores. Elas são relativamente discretas, de curta duração e direcionadas a um objeto ou evento, enquanto os humores são considerados mais difusos, menos intensos e independem de um estímulo ou evento desencadeador. Ou seja, as emoções são reações agudas, como a raiva, a tristeza, o medo e a alegria, enquanto a ansiedade, a depressão, a irritação (ou “mal humor”) e a felicidade poderiam ser classificados como humores.
Seja para lidar com estímulos ambientais emocionalmente relevantes, seja para comunicar informações sociais, as emoções apresentam diversos componentes adaptativos para mamíferos com comportamento social complexo, sendo cruciais, até mesmo, para a suas sobrevivências.
As expressões emocionais têm diversos componentes universais para algumas emoções básicas (como a alegria, o medo, a raiva, a tristeza e o nojo). No entanto, elas também variam dependendo da cultura em que a pessoa está inserida e de características individuais. Algumas teorias atuais enfatizam a avaliação cognitiva dos eventos emocionais, assumindo que as emoções são importantes para promover a busca por metas. Enquanto outras teorias classificam e organizam os estados afetivos em duas dimensões, por sua valência (positiva, emoções desencadeadas por estímulos prazerosos; ou negativa, desencadeadas por estímulos desagradáveis) e pela sua intensidade de estimulação (baixa ou alta).
Diversas hipóteses já foram propostas ao longo dos séculos XIX e XX para explicar o funcionamento das emoções. Elas foram fundamentais para chegarmos ao conhecimento atual que temos sobre o que são e quais as funções das emoções em humanos.
Contextualização Histórica e Hipóteses Influentes
Historicamente dois autores tiveram uma enorme influência sobre os estudos subsequentes das emoções: Charles Darwin e William James. Muitas das hipóteses levantadas posteriormente buscaram aperfeiçoar ou refutar os achados desses pioneiros.
Abordagem Biológica / Evolutiva
Ao publicar The expression of emotions in man and animals em 1872, Darwin inaugurou um campo de pesquisa que busca compreender os papeis adaptativos e funcionais das expressões das emoções. Darwin é considerado por muitos cientistas o primeiro pesquisador a investigar o papel das emoções e de suas expressões de forma sistemática, permitindo a aplicação de uma abordagem empírica e replicável para o estudo das emoções. Tal abordagem destacava que os fenótipos emocionais podem representar adaptações que foram selecionadas por pressões de fatores ambientais, através da eliminação (para ser preciosista, “diminuição do sucesso reprodutivo”) dos organismos menos adaptados a tais pressões. A expressão da raiva, por exemplo, através de sinais de ameaça e a ocorrência de reações agressivas, pode ser considerada uma emoção de alta relevância para a sobrevivência de um indivíduo e/ou seu grupo em ambiente natural.
Duas ideias discutidas por Darwin foram especialmente influentes em longo-prazo:
- As emoções humanas são homologas às emoções animais, sendo algumas de suas expressões (faciais e corporais) padrões comportamentais vestigiais que também podem servir para comunicação;
As expressões emocionais se manifestam de forma discreta e universal, tendo um forte componente transcultural.
Hipótese de James-Lange
Esta hipótese foi criada e divulgada por William James (1884), mas paralelamente desenvolvida por Carl Lange em 1886, ficando conhecida como hipótese James-Lange. Essa abordagem sustentou que as emoções podem ser reduzidas a percepção das reações fisiológicas aos estímulos emocionais. Ou seja, a premissa básica da proposta é que a excitação fisiológica (corporal) induz a experiência emocional. Por exemplo, quando uma pessoa vê um urso em sua frente ela corre (aumentando a frequência cardíaca, liberação de adrenalina etc.), por isto ela sente medo. Ao perder um ente querido, uma pessoa choraria e, então, ficaria triste.
Sim, para James, você não chora porque está triste, mas está triste porque chora. Essa ideia contraintuitiva, um pouco similar ao discutido pelo filósofo Espinoza no século XVII, sustentava que a emoção não é mais do que a consequência de conjuntos de mudanças corporais que ocorrem em resposta a um evento relevante.
Hipótese de Cannon-Bard
Um dos principais críticos da hipótese de James-Lange foi o fisiologista Walter Cannon, que propôs, no início do século XX, sua própria hipótese sobre como as emoções funcionam. Cannon observou que as respostas corporais (por exemplo, a ação hormonal) são muito lentas para gerar emoções, levando muitos segundos ou, até mesmo, minutos. Cannon também observou que as nossas reações fisiológicas são bastante gerais, sendo as reações de raiva e de medo, por vezes, bastante parecidas.
Para Cannon e Philip Bard as respostas fisiológicas e as experiências emocionais ocorrem simultaneamente, e ambas são determinadas por alterações específicas no cérebro. Cannon e Bard foram além e afirmaram a importância da região talâmica para as emoções. Para eles, a expressão emocional resulta de funções de estruturas hipotalâmicas e a experiência emocional resulta da estimulação do tálamo. Ainda, estes autores destacaram que regiões neocorticais exercem um controle sobre as respostas emocionais desencadeadas pelo tálamo. Ou seja, a inibição ou remoção do neocórtex liberaria o circuito hipotalâmico do controle dos impulsos (conhecido como controle top-down).
Circuito de Papez, Hipótese de MacLean e o sistema límbico
Em 1937 James Papez enfatizou que as emoções não são funções de determinadas regiões cerebrais, mas de um circuito. Hipotálamo, corpos mamilares, tálamo, córtex cingulado e hipocampo são estruturas interconectadas que, segundo Papez, compõem um circuito responsável pela elaboração e expressão emocional. Paul MacLean buscou aperfeiçoar o circuito de Papez, o estendendo a áreas do septo, giro parahipocampal, amigdala e córtex orbitofrontal. MacLean chamou essa organização responsável pelas emoções de sistema límbico. Embora diversas estruturas do sistema límbico parecem ter um papel menor do que Papez ou MacLean originalmente imaginaram, incluindo o hipocampo e os corpos mamilares, e que alguns conceitos anatômicos e funcionais utilizados pelos autores estejam obsoletos, as suas teorias foram extremamente influentes para o estudo das bases neurobiológicas das emoções.
Teorias e Hipóteses Atuais
O estudo das bases evolutivas e biológicas das emoções teve um crescimento expressivo na segunda metade do século XX. Aproximadamente um século após a precursora publicação de Darwin sobre as emoções, e alguns anos após uma série de importantes avanços na teoria sintética da evolução e na genética, Paul Ekman, Carroll Izard, Silvan Tomkins, Robert Plutchik e outros cientistas conduziram uma série de estudos exploratórios e transculturais sobre o tema. Estas pesquisas trouxeram fortes evidências empíricas de que as expressões de algumas emoções são universalmente reconhecidas. Estes achados enfatizam uma forte base biológica para a expressão e compreensão das emoções em humanos. Estas teorias enfatizam que existem algumas emoções básicas (também chamadas de discretas), como a alegria, o medo, a raiva, a tristeza e o nojo. Embora não haja um consenso sobre quais (e quantas) seriam tais emoções básicas, esta abordagem teórica segue sendo uma das mais influentes no estudo das emoções.
Por outro lado, achados atuais também sustentam uma versão modificada da hipótese de James-Lange. O neurologista Antônio Damásio ajudou a revitalizar a ideia central de James, afirmando que feedbacks corporais modulam a experiência emocional, denominando tal fenômeno de marcadores somáticos. Os marcadores somáticos são reações fisiológicas, tais como alterações na atividade do sistema nervoso autônomo, que são associadas com a apresentação de estímulos emocionalmente relevantes. Esses marcadores permitem uma decisão rápida quando o processamento lógico não pode ser utilizado ou é insuficiente para a tomada de decisão. Damásio discute importância do córtex pré-frontal (CPF), especialmente o CPF ventromedial, para o processamento emocional. Contudo, essa hipótese é, em grande parte, baseada apenas em estudos de paciente com lesões, e ainda precisa de confirmações futuras.
Uma das teorias mais influentes atualmente no estudo das emoções, conforme mencionado anteriormente, é a teoria da avaliação cognitiva das emoções. Autores como Magda Arnold, Richard Lazarus, Klaus Scherer, Stanley Schachter, Nico Frijda e Jerome Singer argumentam que a avaliação cognitiva de um determinado evento pode determinar a reação emocional que teremos a ele. Deste modo, quando uma pessoa é xingada por um desafeto ela pode interpretar aquela ofensa como verdadeira e ficar triste ou injusta e sentir raiva. Portanto, nós imediatamente e automaticamente avaliamos os estímulos ao percebê-los e reagimos emocionalmente a eles. Mesmo dentro dessa abordagem explicativa, há diversas vertentes que buscam elucidar como isso de fato ocorre, no entanto, tal aprofundamento foge ao escopo deste texto (para mais informações sobre o tema veja a lista de referências e sugestões de leitura). Uma das críticas mais frequentes a uma parte dessas abordagens cognitivas (não todas) é que elas reduzem a importância da base fisiológica das emoções.
Enquanto diferentes perspectivas são discutidas para explicar o funcionamento e a natureza das emoções, os estudos neurocientíficos avançam solidamente nas últimas décadas. Assim, cada vez mais tem sido integrado o conhecimento sobre as interações fisiológicas e as avaliações cognitivas para a ocorrência e expressão das reações emocionais.
Neurociência Afetiva
Amígdala
Diversas linhas de pesquisa têm estabelecido que a amígdala, estrutura localizada dentro do nosso lobo temporal, como uma das mais importantes regiões cerebrais para as emoções. A amígdala tem um papel chave no processamento emocional e de sinais sociais das emoções (particularmente para o medo), e no condicionamento emocional e consolidação de memórias emocionais.
Estudos de neuroimagem têm associado a ativação da amigdala à detecção emocional e de estímulos biologicamente relevantes. Ela ajuda a guiar a atenção do organismo para estímulos com relevância emocional. Em humanos, lesões na amigdala podem levar a prejuízos no processamento de rostos e sinais sociais. Estudos mais recentes indicam que o processamento de expressões faciais emocionais, especialmente o medo, foi particularmente prejudicado em humanos com lesões amigdalares.
A ativação amigdalar a estímulos com conteúdo emocional acontece mesmo para aqueles estímulos apresentados por tempo insuficiente para serem registrados pela consciência. Ainda, a ativação da amígdala para o medo não é apenas para expressões faciais, isso também ocorre com vocalizações emocionais de medo. No entanto, o processamento emocional da amígdala é suscetível ao controle top-down de reações emocionais.
Córtex Pré-Frontal (CPF)
Diferentes regiões do CPF estão envolvidas em funções como planejamento, tomada de decisão, controle inibitório e atenção. Estudos de metanálise evidenciaram que essas mesmas regiões são ativadas com a exposição de conteúdo emocional. Tais regiões são frequentemente associadas ao controle de impulsos emocionais, podendo inibir a ativação da amigdala e outras estruturas a estímulos emocionalmente relevantes. Alguns pesquisadores sugerem que o CPF ventromedial exerce uma função interoceptiva que seria determinante para a percepção emocional e tomada de decisão. O córtex orbitofrontal seria determinante para percepção de conteúdo emocional, independentemente da valência o estímulo, e para o controle de impulsos, sendo fundamental para o controle top-down das reações emocionais.
Córtex Cingulado Anterior (CCA)
O CCA desempenha um papel chave no monitoramento e avaliação emocional. Ele integra informações autonômicas, emocionais e atencionais, com intuito de regular os estados emocionais e selecionar a resposta mais adequada e as prioridades. Ou seja, os neurocientistas contemporâneos veem o CCA como um ponto de integração de informações viscerais, atencionais e emocionais, que está crucialmente envolvido na regulação afetiva e de outras formas de controle top-down. Além disso, alguns autores têm sugerido que o CCA é um componente determinante para a experiência emocional consciente e para a representação central da estimulação autonômica. Ele monitora conflitos entre o estado funcional do organismo e qualquer nova informação que tem potencial de consequências afetivas. Ainda, o CCA pode ser subdividido em: Dorsal, com uma função mais cognitiva; e Rostral/Ventral, com função mais afetiva. A subdivisão afetiva é frequentemente ativada com a apresentação de estímulos emocionais.
Ínsula
O córtex insular é uma região relacionada com a consciência de sensações corporais e com as experiências emocionais. Ela, além de coordenar respostas a estímulos ameaçadores e imprevisíveis, também atua na detecção de nojo e percepção de gostos desagradáveis. Além disso, a ínsula tem um papel de sinalização que alerta o organismo em situações ameaçadoras. A estimulação da ínsula produz sensações consistentes com o nojo e com a consciência de estados corporais (e.g., espasmos e formigamentos).
Certamente, outras regiões do cérebro também são fundamentais para o processamento emocional. No entanto, algumas dessas estruturas apresentam um papel reduzido ou controverso, já outras ainda necessitam de mais evidências para sustentar as suas funções no processamento emocional em humanos. Cabe frisar que as ações dos neurotransmissores e hormônios para as expressões emocionais fogem ao escopo deste texto geral e introdutório, contudo eles são abordados apropriadamente na literatura sugerida abaixo. O vasto (e fascinante) mundo das emoções e da neurociência afetiva não se limita, obviamente, ao que abordei neste resumo – aqui busquei apenas sintetizar o que apresentei nas palestras do VIII Curso de Neurociências da UFRGS e da VII Semana Nacional do Cérebro da UFRGS. Na verdade, a minha única ambição aqui era entender: Como você está se sentindo hoje?
Referências e sugestões de leitura:
- Cabral, J. C. C., Tavares, P. de S., & de Almeida, R. M. M. (2016). Reciprocal effects between dominance and anger: A systematic review. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 71, 761–771.
- Cabral, J. C. C., Tavares, P. S., Weydmann, G. J., das Neves, V. T., & de Almeida, R. M. M. (2017). Eliciting Negative Affects Using Film Clips and Real-Life Methods. Psychological Reports, 3329411773084.
- Dalgleish, T. (2004). Timeline: The emotional brain. Nature Reviews Neuroscience, 5(7), 583–589.
- de Almeida, R. M. M., Cabral, J. C. C., & Narvaes, R. (2015). Behavioural, hormonal and neurobiological mechanisms of aggressive behaviour in human and nonhuman primates. Physiology & Behavior, 143, 121–135.
- LeDoux J. (1998). The Emotional Brain. New York: Weidenfeld and Nicolson.
- Lindquist, K. A., Wager, T. D., Kober, H., Bliss-Moreau, E., & Barrett, L. F. (2012). The brain basis of emotion: A meta-analytic review. Behavioral and Brain Sciences, 35(3), 121–143.
- Meaux, E., & Vuilleumier, P. (2015). Emotion Perception and Elicitation. In Brain Mapping (Vol. 3, pp. 79–90). Elsevier.
- Gazzaniga, M., Ivry, R., & Mangun. G. (2013). Cognitive Neuroscience: The Biology of the Mind. New York: W. W. Norton & Company.