quarta-feira, 12 de abril de 2023

Prakrita-sahajiyas: Origem e Deturpações


Prakrita-sahajiyas: Origem e Deturpações

Suhotra Swami

Os vaishnavas, devotos do Senhor Krishna, utilizam o termo prakrita-sahajiya para se referirem a pessoas que imitam os sinais de prema, amor puro por Deus, enquanto permanecem viciados aos prazeres baixos do sexo ilícito e intoxicação. Os sahajiyas imaginam que sentem as emoções divinas de Krishna e de Sua mais querida devota, Srimati Radharani. Contudo, não compreendem que, antes que possamos saborear o prazer compartilhado entre Radha e Krishna, temos que nos livrar dos desejos luxuriosos por prazer sensual.

A palavra sahaja significa “fácil”. Um prakrita-sahajiya quer a bem-aventurança da vida espiritual sem o esforço necessário para obtê-la. E a palavra prakrita significa “materialista”. Porque os sahajiyas não seguem as disciplinas padrões de bhakti-yoga, o suposto amor divino que eles aparentemente exibem jamais transcende verdadeiramente a luxúria material.

Os prakrita-sahajiyas confundem o desejo de gozo dos sentidos, a doença da alma, com avanço espiritual. Então, em vez de se curarem do gozo egoísta dos sentidos, terminam cultivando-o.

Bhagavad-gita (16.23-24) recomenda que sigamos sastra-vidhi, as direções das escrituras, a fim de nos purificarmos do gozo dos sentidos. O sastra-vidhi convida-nos especialmente a abandonarmos o consumo de carne, o sexo ilícito, os jogos de azar e a intoxicação e a cantar o maha-mantra Hare Krishna. Isso gradualmente nos apronta para raga-marga, o caminho da atração natural por Krishna, reservada para devotos altamente avançados.

Os prakrita-sahajiyas, entretanto, são negligentes com as regulações escriturais. Mantêm-se apegados ao desfrute materialista dos sentidos. Porque esse desfrute sensorial os cega, suas ideias referentes a Krishna, aos devotos de Krishna, ao serviço a Krishna e ao amor a Krishna nada são além de criações defeituosas de sua própria natureza inferior.

Segundo o historiador bengali Dr. S. B. Das Gupta, o movimento sahajiya bengali é muito anterior ao tempo de Sri Chaitanya Mahaprabhu, tendo se originado na dinastia budista Pala (aprox. 700-1100 d.C.). Nesse tempo, um culto secreto de nome Sahajayana surgiu dentro da escola Vajrayana do budismo.

Os budistas Sahajayanas abandonaram o ritualismo e o estudo das escrituras, considerando-os inúteis. Eles praticavam um “yoga do sexo”, no qual acreditavam se conscientizar de ser a unidade dos princípios masculino e feminino, às vezes chamados upaya prajna, às vezes chamados de karuna e sunyata. Os budistas Sahajayanas escreveram muitas canções, conhecidas como caryapadas, expressando sua filosofia em linguagem misteriosa.

Posteriormente, sob o regime dos reis da dinastia Sena, o vaishnavismo tornou-se ascendente na Bengala quando o grande mestre espiritual Jayadeva Gosvami passou a receber patrocínio real. Os budistas sahajiyas, então, absorveram aspectos da filosofia vaishnava e os deturparam. Eles renomearam seus princípios upaya e prajna para “Krishna” e “Radha”, imaginando que Radha-Krishna representam o estado mais elevado de bem-aventurança obtido pelos homens e mulheres no caminho sahajiya.

No século XIII, com a ocupação islâmica da Índia setentrional e da Bengala, os sahajiyas foram influenciados pelas práticas e pela filosofia dos sufis. A palavra “sufi” vem da palavra arábica saf, cujo significado é “sagrado”, e designa uma ordem mística islâmica constituída de mendicantes. Sua meta é um estado de inspiração chamado fana, ou unidade em amor com Alá.

Os sufis buscam atingir o fana através de canto e dança. Na Idade Média, sofreram perseguições como hereges nos países árabes, especialmente porque alguns pregadores sufis anunciavam que eles próprios eram o Alá adorado por todos os muçulmanos. Na Índia, contudo, os sufis puderam florescer, dado que suas ideias muito tinham em comum com a filosofia impersonalista, ou mayavada.

O século XVI testemunhou o advento de Sri Chaitanya Mahaprabhu e de Seu movimento de sankirtana, canto congregacional dos santos nomes de Deus.

Em uma típica falta de clareza social, os sahajiyas, que haviam surgido de entre os budistas e se fundido com os sufis, agora cantavam e dançavam às margens do movimento de sankirtana. Ali, celebravam seu misticismo sexual mundano com música e dança.

Isso, é claro, era uma perversão do movimento de sankirtana, em virtude do que o Senhor Chaitanya e Seus seguidores rejeitaram os sahajiyas. Isso é evidente no Sri Chaitanya-charitamrita, que nos relata quão estritamente o Senhor Chaitanya seguia as regras do celibato e quão severamente lidava com os devotos que quebravam as regras de conduta sexual.

No século XVIII, contudo, o grande movimento iniciado pelo Senhor Chaitanya parecia ter-se corrompido pelos gosvamis de casta e ritualísticos brahmanas smartas. Isso conferiu aos sahajiyas a chance de influenciarem as pessoas comuns, e várias seitas prakrita-sahajiyas se popularizaram.

No século seguinte, portanto, Srila Bhaktivinoda Thakura dedicou-se a distinguir os ensinamentos puros do Senhor Chaitanya e as perversões prakrita-sahajiyas. Seguindo seu exemplo, Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati se opôs fortemente àqueles que se desviavam dos ensinamentos do Senhor Chaitanya. E Srila Prabhupada manteve esse mesmo curso forte e sem concessões.

Como Srila Prabhupada afirma em seu comentário ao Chaitanya-charitamrita, os sahajiyas “dão-se à gratificação sensória em nome de serviço devocional”. Deste modo, “eles enlameiam a transcendência”. Eles batem suas emoções materialistas até que se tornem um estado de êxtase sentimental, e isso eles tomam por espiritual. Contudo, o primeiro passo no avanço espiritual é distinguir entre espírito e matéria, o que os sahajiyas confundem.

“O nome de Krishna é todo-poderoso”, os sahajiyas dizem. “Por conseguinte, o estado espiritual de um guru ou discípulo na iniciação não importa, porque o santo nome funciona através de seu próprio poder. Não há necessidade de dizer a alguém que siga regras. Deixemos que cante Hare Krishna, fume, beba, jogue e faça sexo. O santo nome purificará a pessoa das reações pecaminosas”.

Mestres espirituais genuínos rejeitam tais noções como ofensas ao santo nome de Krishna. O santo nome do Senhor é certamente onipotente, assim como o fogo é muito potente. Contudo, o fogo pode dar a vida e o fogo pode matar. Assim também se dá com o santo nome de Krishna, que, se apropriadamente cantado sob a guia de um mestre espiritual, queima os apegos materiais restantes de um devoto, nutrindo-lhe a vida espiritual. Porém, se o poder expiatório do santo nome é utilizado como uma ferramenta para misturar vida espiritual com intoxicação e sexo ilícito, o efeito é ruinoso.

Outra característica da atitude sahajiya é sua “humildade” pervertida, que é, na verdade, mera inveja. Os sahajiyas se consideram simples e modestos, e os devotos estritos eles consideram orgulhosos. Por exemplo, os sahajiyas consideram que um devoto que se torna conhecido por difundir a consciência de Krishna caiu nas garras do desejo por nome e fama. Um devoto que contesta o ateísmo e o materialismo é vaidoso. O canto congregacional dos santos nomes de Deus é exibicionismo. Devotos preocupados em abster-se de sexo ilícito, tabagismo e outros desfrutes nocivos são fanáticos e internamente apegados a tais prazeres.

Os sahajiyas veem com maus olhos os devotos que se aceitam discípulos e os treinam nos princípios escriturais. As escrituras, os sahajiyas acreditam, opõem-se à verdadeira devoção. Assim, os sahajiyas ou interpretam as escrituras à sua própria maneira ou escrevem novas escrituras a fim de “provarem” que sexo desregulado e intoxicação promovem, e não obstruem, a consciência espiritual.

Em resumo, os prakrita-sahajiyas são resolutos desfrutadores sensoriais. Embora possuam talentos para canto, dança, atuação, fala, descontração e sedução de homens e mulheres, embora tentem dizer que tais talentos são conquistas espirituais e embora possam se vestir como devotos de Krishna, eles, na verdade, não sabem distinguir o canto ofensivo do canto puro do santo nome, nem o serviço mundano do serviço devocional, a luxúria do amor, e a ilusão da espiritualidade.

Srila Prabhupada certa vez contou uma história para ilustrar como temos que seguir o método de bhakti-yoga para obter amor por Krishna. Na história, um homem tentava cozinhar com a chama no chão e a panela pendurada perto do teto. “Se você quer cozinhar”, Prabhupada disse, “você tem que cozinhar de acordo com o método. Você pode ter uma panela e pode ter o fogo, mas se você não cozinhar segundo o método, você jamais terá comida”.


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