Os fãs de séries policiais que tiveram o prazer de conhecer Columbo não a esquecem jamais. Uma das melhores produções do gênero ‘quem matou, quando, onde, como e por que?’ consegue chegar aos dias de hoje ainda mantendo o frescor de seus roteiros e, é claro, da interpretação de seu protagonista, Peter Falk, falecido em 2011.
Columbo foi apontada por críticos e historiadores americanos como uma produção que inovou o gênero policial televisivo. Utilizando a fórmula consagrada por Batman, dois anos antes, ou seja, a de apresentar nomes famosos na época como o assassino da semana, Columbo se diferenciou pela audácia em se desassociar do estilo narrativo perpetuado por Agatha Christie e outros autores de romances de detetives, que serviam de referência para as séries policiais até então.
Ao invés de oferecer uma história na qual o detetive (e o público) vai colecionando informações e pistas que eventualmente o levem à identidade do assassino, a série apresentava no início de cada episódio o rosto do criminoso, bem como a razão e a forma como o crime foi cometido. O mistério ficava por conta de descobrirmos como Columbo (Falk) chegaria à essa mesma informação. Neste meio tempo, estabelecia-se um jogo de gato e rato entre mocinho e bandido, que segurava o mistério até o final do episódio, o qual, geralmente, surpreendia.
Esta é uma fórmula conhecida como ‘mistério invertido’. Pelo que se sabe, ela foi introduzida na literatura por R. Austin Freeman, autor americano que a utilizou pela primeira vez no livro The John Thordyke’s Case, publicado em 1909.
Com seu ar desligado e dando a impressão de ser um policial desleixado e apatetado, Columbo (cujo primeiro nome era Tenente, como Falk costumava dizer) era mais esperto que a maioria dos espiões e detetives de sua época. Cada episódio iniciava com a exposição dos motivos que levariam um dos personagens a cometer o crime. Na cena seguinte, o assassinato era cometido tendo o telespectador como testemunha de cada passo: a construção do álibi, a execução e a eliminação das evidências. Após quase quinze minutos de episódio aparecia Columbo, único personagem fixo, que olhava para a cena do crime como uma simples rotina, enquanto fazia comentários sobre sua esposa (que nunca era vista), seu cachorro, seu carro ou qualquer outro tema corriqueiro.
No entanto, antes de deixar a cena do crime, ele fazia uma observação sobre algum objeto ou disposição do cenário que, para ele, estava exposto de forma nada convencional. Mesmo para nós, que sabíamos como o crime havia sido cometido, aquelas observações, muitas vezes, pareciam sem sentido. Na verdade, o sentido desta observação (e de outras feitas ao longo dos episódios) somente era revelado ao final do episódio, quando, ao relatar como o crime tinha sido cometido, Columbo apresentava a pista principal que o levara à descoberta do assassino. Ao expor seu raciocínio, tudo se tornava óbvio, por vezes até banal.
A série foi criada por Richard Levinson (1934-1987) e William Link, criadores de Mannix e Assassinato por Escrito, entre outras produções. Amigos de infância, os dois iniciaram suas carreiras como roteiristas de programas radiofônicos. Eles também escreveram contos para publicações policiais e de mistério, entre elas, a Alfred Hitchcock Mystery Magazine, onde introduziram o personagem Columbo, que só aparece no final da história, embora ele ainda não tivesse um nome. Com o título de May I Come In, a história apresentava toda a preparação e execução do crime, encerrando quando a polícia batia à porta.
Esta história foi adaptada para o teleteatro The Chevy Mystery Show, no qual recebeu o título de Enough Rope. Foi na adaptação desta história para a TV que o personagem Columbo foi batizado. Interpretado por Bert Freed (Shane), o Tenente Columbo tinha uma participação pequena, mas maior que aquela que lhe foi dada na história original. Isto porque, tendo necessidade de atender aos interesses dos executivos de TV da época, que não desejavam glorificar o crime, os roteiristas precisaram criar uma segunda parte para a história. Assim, a primeira parte (que ocupava boa parte do episódio) apresentou a preparação e a execução do crime, enquanto a segunda parte apresenta a solução do crime, por parte do Tenente Columbo. Embora o assassino fosse o personagem principal, Columbo conseguiu se impor, graças à sua personalidade, moldada em dois personagens da literatura: Padre Brown (que hoje estrela uma série britânica) e Petrovich, da obra de Fiódor Dostoiévski Crime e Castigo.
O sucesso deste episódio levou Levinson e Link a adaptá-lo para o teatro, onde estreou com o título de Prescription: Murder, no início da década de 1960. No elenco estavam Joseph Cotton, como o médico que mata sua esposa; Agnes Moorehead (A Feiticeira), como a esposa assassinada, e Thomas Mitchell (o pai de Scarlett O’Hara em O Vento Levou) como o detetive Columbo. Sucesso de público, a peça não agradou aos autores que não conseguiam entender por que razão o público adorava Columbo, quando o personagem principal era o assassino.
Mas sucesso é sinônimo de dinheiro e, com isso, a dupla não pensou duas vezes para adaptar a peça para a TV, como um telefilme. Oferecido a vários estúdios, o projeto foi adquirido pela Universal, que procurava por roteiros para uma nova sessão de filmes. Uma busca teve início para substituir Mitchell, falecido em 1962. Bing Crosby, Lee J. Cobb e outros nomes famosos da época foram sondados, mas o personagem de Columbo acabou nas mãos de Falk, que na época não era muito conhecido do grande público.
Reformulado, Fórmula para Matar/Prescription For Muder foi exibido no dia 20 de fevereiro de 1968, pela rede NBC, dentro de um novo programa do canal, NBC’s Mystery Movie (conhecido no Brasil como a sessão Os Detetives). Um novo filme com Columbo foi encomendado pelo canal, o qual foi exibido em 1971.
Em abril daquele mesmo ano, a NBC decidiu encomendar a série Columbo, apesar da baixa audiência conquistada pelos dois primeiros filmes.
A série teria episódios de longa duração, com exibição intercalada com Os Audaciosos/The Name of the Game (série na qual Tony Franciosa, Robert Stack e Gene Barry se revezavam como protagonistas a cada episódio), McCloud, com Dennis Weaver, e Casal McMillan, estrelada por Rock Hudson e Susan Saint James.
Acreditando que o formato de Columbo se desgastaria muito rápido no momento em que o personagem estrelasse uma série, a Universal tentou convencer Levinson e Link a adotar a velha fórmula das séries policiais, ou seja, o público descobriria a identidade do criminoso junto com a polícia. Além disso, o estúdio queria que o detetive tivesse um parceiro mais jovem (para atrair o interesse do público mais novo); e Columbo deveria ser solteiro para ter liberdade de se envolver romanticamente com outras mulheres.
A Universal também acreditava que seria muito melhor se Columbo não demorasse quase quinze minutos para aparecer, para que o público pudesse identificar mais rapidamente a série que está assistindo. Ah, e eles também queriam menos diálogos e mais ação. Em resumo, a Universal queria o personagem, não o formato proposto por Levinson e Link.
A dupla de roteiristas e produtores ameaçou abandonar o projeto caso alguma mudança fosse feita no formato ou na construção do personagem. Isto resolveu o impasse e a produção da série teve início, tal qual ela tinha sido concebida.
Ao longo de sua produção, a série passou por alguns problemas de bastidores. Um deles era o perfeccionismo de Falk, que tinha o poder de aprovar ou não o roteiro a ser filmado, bem como o escritor e o diretor de cada episódio. Se ele achasse que as pistas eram muito fracas ou que a solução do crime, bem como seus motivos, eram implausíveis, ele se recusava a filmar, forçando a produção a refazer o roteiro. Falk também exigia refilmar as cenas vinte vezes se necessário, até que ela ficasse de seu agrado. Com isso, o ator ganhou fama de difícil. Ainda na primeira temporada, Falk abandonou as filmagens da série quando soube que não lhe dariam a direção de um dos episódios, promessa que tinha sido feita a ele quando foi contratado. Ameaçado de processo, Falk apresentou atestados médicos que justificavam sua ausência nos sets de filmagens.
Levinson e Link se colocaram contra ao desejo de Falk em dirigir, pois achavam que ainda era muito cedo para ele acumular duas funções em uma série na qual ele era o único personagem fixo (e que ainda nem tinha estreado). Mas, pressionada pelo canal que exigia a entrega dos episódios no prazo estabelecido, a Universal cedeu às exigências de Falk, encarregando Levinson e Link da confecção de um roteiro que o ator pudesse dirigir. A dupla ofereceu a Falk o roteiro de Assassinato na Planta/Blueprint of Murder, considerado muito difícil de dirigir, na esperança de que ele desistisse desta tarefa. Dedicando-se à direção, Falk negligenciou sua atuação, o que fez com que o ator aceitasse o argumento dos roteiristas, desistindo de dirigir outros episódios da série.
Columbo foi produzida entre 1971 e 1978, ao longo de sete temporadas e quarenta e cinco episódios (além dos dois pilotos). Durante todo esse tempo Falk utilizou como figurino uma mesma capa de chuva, ‘marca registrada’ do personagem. A ideia de escolher esta peça de vestuário partiu do ator que, ao ler o primeiro roteiro confundiu a palavra sobretudo (overcoat) com capa de chuva (raincoat).
Em apenas um episódio o personagem não aparece vestindo a capa, por brincadeira da produção. Na história, ela está sendo lavada, para azar de Columbo porque no final do episódio começa a chover. Falk também escolheu o carro de Columbo, um Peugeot caindo aos pedaços, o qual virou motivo de piada da produção e dos personagens (tem episódio em que o assassino da semana comenta sobre as condições do automóvel).
Além de Levinson e Link, a série também contou com roteiros assinados por outros profissionais, entre eles, Steve Bochco (Chumbo Grosso, Nos Bastidores da Lei, Nova Iorque Contra o Crime), que na época estava em início de carreira. A série também teve um episódio dirigido por Steven Spielberg que, apesar de sua inexperiência na época, conseguiu passar pelo crivo de Falk.
Levinson e Link deixaram a produção de Columbo no início da segunda temporada para assumir outros projetos. No lugar da dupla entrou Dean Hargrave, que contou com Bochco como supervisor de roteiros, os quais ainda precisavam ser aprovados por Falk.
No segundo ano os produtores também cederam às pressões do estúdio para introduzir um outro personagem fixo na história: um cachorro basset, que só foi aceito por Falk porque ele era velho. O personagem o batizou de dog/cão. O animal morreu após a produção de alguns episódios, forçando a produção a substituí-lo por um mais novo. Para que ele pudesse passar por mais velho, o cão era submetido a uma sessão de maquiagem, que levava horas para ser feito já que o animal não ficava quieto. E como tempo é dinheiro, o cachorro deixou de ser visto na série após a produção de seis ou sete episódios. Além de Cão, também podemos considerar o ator Bruce Kirby como parte do elenco recorrente da série, já que ele foi visto em seis episódios interpretando o mesmo personagem: sargento Kramer.
A série começou a pesar no bolso da Universal na quarta temporada, graças ao perfeccionismo de Falk. Um episódio de longa duração chegava a levar até vinte e dois dias para ser filmado. Os atrasos, somado ao salário do ator, que subia a cada temporada, levaram o estúdio a comunicar à rede NBC que a série seria cancelada quando ela chegou à sua sétima temporada. O canal ainda se ofereceu para pagar os excedentes da produção para poder mantê-la no ar mas, quando viram o valor, desistiram.
No ano em que Columbo saiu do ar, o produtor Fred Silverman, que recém assumira a direção da NBC, sugeriu à Universal que a série fosse substituída por uma spinoff. Assim surgiu a Sra. Columbo, personagem frequentemente mencionada, portanto parte do universo da série original, mas nunca vista. Apesar dos veementes protestos de Levinson e Link, a spinoff foi produzida. Na história, Kate Columbo (Kate Mulgrew, de Star Trek: Voyager e Orange is the New Black) é uma repórter que trabalha no jornal local, mãe de uma menina de sete anos de idade. Atuando como detetive amadora, Kate costuma contar histórias sobre seu marido, o detetive Columbo, enquanto coleciona pistas sobre o mistério que investiga. A spinoff não adotou o mesmo formato da série original, ou seja, não se tratava de um ‘mistério invertido’.
O público e a crítica rejeitaram a spinoff, que chegou a mudar seu título três vezes para atrair o interesse do telespectador: Kate Columbo, Kate the Detective e Kate Loves a Mystery, embora tenham sido produzidos apenas treze episódios antes de seu cancelamento em 1979.
O sucesso de Columbo nas reprises e o fracasso de Mrs. Columbo levou a Universal a se arrepender de ter cancelado a série. Uma tentativa de resgatá-lo ocorreu em 1979, quando o estúdio sondou Falk. Mas a estas alturas o ator já estava se dedicando a uma carreira no cinema e não aceitou voltar para a TV. Uma nova tentativa de resgate ocorreu em 1984, quando foi proposta uma dobradinha entre Columbo e um revival de Kojak. Novamente sem sucesso.
Em 1985, Headgrove e Silverman ressuscitaram Perry Mason, outro clássico da TV americana. Ao invés de um episódio por semana O Retorno de Perry Mason foi produzida como uma série de telefilmes, novamente estrelados por Raymond Burr e Barbara Hale. Esses filmes eram exibidos esporadicamente ao longo do ano (tinha ano em que eram exibidos quatro telefilmes, em outro ano apenas dois, e assim por diante). Este formato agradou Falk que em 1988 concordou em voltar a interpretar Columbo desde que pudesse aprovar os quatro primeiros roteiros. Para desespero do estúdio, o Sindicato dos Roteiristas entrou em greve, o que impossibilitou a confecção dos mesmos. Mas, para surpresa dos executivos, Falk concordou em voltar sem ter um roteiro pronto.
Com produção de Link e Richard Allan Simmons, a série de telefilmes estreou em 1989. Mas, infelizmente, as histórias da nova versão não tiveram o mesmo acabamento e atenção aos detalhes que a série original, o que comprometeu a qualidade final (mais precisamente os motivos dos crimes e as pistas). Ao todo, foram produzidos dezoito filmes.
Columbo continua fazendo carreira em reprises embora no Brasil, infelizmente, a série não seja mais reprisada com frequência. As três primeiras temporadas chegaram a ser lançadas em DVD, mas a Universal ficou devendo o resto. Nos EUA, o episódio Fórmula para Matar continua ganhando novas montagens no teatro, sendo uma das mais recentes a versão estrelada por Dirk Benedict (Galactica, Esquadrão Classe A), que estreou em 2010 e, pelo que sei, ainda está em cartaz, fazendo turnês.
Em 2014, o sucesso internacional da série levou o personagem a ganhar uma estátua em Budapeste, na Hungria.
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